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Do silêncio vem a felicidade

Viva Feliz - 1999
 

Por Selma Perez

Linda, bem-sucedida profissionalmente, realizada como mãe e numa fase feliz da vida, a atriz Maitê Proença recebeu a equipe de Viva feliz em sua casa, onde falou de assuntos pouco abordados pela imprensa. Consciente de que a mente, o corpo e o espírito são uma coisa só, integrada a um todo, e que por isso as pessoas têm poderes infinitos, ela conversou sobre alimentação, espiritualidade, religião, Deus, globalização, saúde e felicidade, que, de acordo com ela, não deveria ser o anseio da humanidade. "Não há estado de felicidade mas sim situações circunstanciais que nos deixam felizes ou tristes. As duas sensações fazem parte da vida, que é uma grande brincadeira de Deus e, por isso, é tão interessante", diz.
Ao som de música indiana, o bom-humor da atriz comandou uma sessão de fotos curta, mas com um aproveitamento extraordinário. Maitê mostrou na prática as teorias, que aplicadas no dia-a-dia, podem ser responsáveis por uma vida melhor. Experiente e com tranqüilidade, posou, riu, conversou, deu idéias, fez uma rápida demonstração de ioga... Uma tarde regada à naturalidade de quem acredita que a vida não acaba aqui e que, por isso, não pode ser levada tão a sério.

Viva Feliz: Você se considera uma pessoa feliz?

Maitê: Eu tenho saúde. Não tenho cólica, dor de cabeça, nem insônia. Não tenho dorezinhas. Trabalho no que gosto. Minha vida é confortável financeiramente. Tenho uma filha adorável. Se, no lugar de ver isso tudo, eu enxergasse uma circunstância desagradável, estaria sendo injusta.

Viva Feliz: Quer dizer que você considera a felicidade circunstancial?

Maitê: É, porque acho que ficamos felizes ou tristes em função de coisas que acontecem. E a felicidade também não é o melhor estado. Assim como a depressão e a tristeza, a felicidade e a alegria são barulhentas demais. Por isso, sinto-me plena quando estou tranqüila.

Viva Feliz: Quer dizer que buscar a felicidade é um engano? v
Maitê: Temos muitos motivos para ficar felizes, mas não acho que esse seja o estado que se deva buscar. Na minha opinião, o ponto central é a quietude. Com o silêncio, é possível chegar à tranqüilidade. Existe uma harmonia dentro do bom e do ruim, um ponto de equilíbrio dentro do agradável e do desagradável.

Viva Feliz: O que te deixa alegre hoje?

Maitê: Faço coisas que são boas para mim. A ioga, por exemplo, que eu procuro fazer todos os dias, é uma fonte de energia. É uma fonte de pensar. Brincar com Maria, minha filha, ou trabalhar num filme com pessoas bacanas é ótimo. A energia é boa.

Maitê cita o longa-metragem Tolerância, que está sendo rodado no Sul do País. Ela fala que tenta ver o lado bom das coisas, já que problemas sempre existem. Não é fácil, por exemplo, filmar quando o termômetro marca quatro graus e ela tem de fazer uma cena com o mínimo de roupa, uma camiseta apenas, porque o roteiro diz que é meia estação. "Ficar sentindo frio durante dez horas seguidas é muito ruim. O corpo se ressente. Nessa hora, eu 'mudo o foco' do frio para a equipe, que é alto-astral. É impressionante como as pessoas se dão bem nesse projeto. Ninguém briga, desabafa." Ressalta as pessoas, porque como atriz nunca sabe o que vai encontrar pela frente. Acontece de ela gostar do roteiro, mas a equipe não ser afinada, o diretor ser histérico, o enfoque não ser legal. Quando se depara com uma situação como essa, não se desespera. "Se não tem jeito, eu aperto um botão interno. Porque sei que a situação externa eu não vou conseguir mudar. Sou uma peça no meio de outras sei lá, quatrocentos", arrisca. Para ela, o melhor que tem a fazer, neste caso, é se adaptar, o que não quer dizer ficar igual. Maitê afirma que, como todo mundo, tem dias de furor. Mas tenta contornar, procurando sempre ver coisas boas. "Tento, por exemplo, ficar perto de um colega que é gente boa, levo um livro para ler na locação. Eu me distraio", conta.

Viva Feliz: Você continua com a ioga quando está no meio de um trabalho?

Maitê: Nem sempre sobra tempo, mas procuro fazer coisas ligadas à ioga. Tomo banho frio por exemplo, mesmo quando estou no Sul. É uma coisa que venho fazendo para aumentar minha tolerância às baixas temperaturas. Sofro só um pouquinho, só aqueles cinco minutos, para trabalhar numa boa o restante do dia. Mesmo que não dê tempo de fazer uma hora inteira de ioga, antes de começar a gravar, no começo do dia, faço uma saudação ao sol e uns exercícios de respiração.

Viva Feliz: Há quanto tempo você está praticando ioga?

Maitê: Há cerca de seis meses. Desde que fui para a Índia pela última vez. Isso porque a ioga é parte da medicina Ayurveda.

Viva Feliz: Então quando você resolveu ir à Índia já tinha esse objetivo?

Maitê: Dessa vez fui para isso. Viajei com a minha filha. Ela voltou da Indonésia, e eu segui para a Índia em busca dessa medicina.

Viva Feliz: Era preciso estar sozinha?

Maitê: Era melhor, para que eu pudesse ficar mais silenciosa. E foi uma descoberta muito bacana. Porque se você quiser, o Ayurveda abrange toda a sua vida.

Viva Feliz: Quanto tempo você ficou?

Maitê: Ah, não foi muito não. Fui para um Estado, Kerala, onde esse tipo de medicina ainda é muito exercida. Então, durante uns quinze dias, fiquei fazendo só o tratamento, que já vinha aprendendo na Indonésia.

Viva Feliz: E para a alimentação, você procura algo diferente?

Maitê: Desde os quinze anos de idade, faço uma alimentação balanceada. Estudei nutrição por cinco anos. Não faço equilíbrio alimentar porque sou um "bicho grilo" dos anos setenta. Nunca fiquei "verde" por fazer macrobiótica. O equilíbrio está em adequar a alimentação ao estilo de vida que se leva e ao clima do lugar onde se mora. Quem tem uma vida com o ritmo acelerado, intenso, não pode comer como um monge do Tibete, que fica em estado de concentração, mantendo toda a pressão arterial baixa.

A atriz muda o tipo de alimentação em função do ritmo de vida que está levando. Por ter esse hábito saudável há mais de vinte anos, hoje praticamente apenas atende aos pedidos de seu corpo. Ela não come carne vermelha. Come bem pouco frango, muito peixe e quase nada de crustáceos. Gosta de rã. O interesse pela nutrição surgiu quando viajava. Em Portugal, conheceu um casal macrobiótico. Morou com eles em uma aldeia e pôde aprender tudo sobre o assunto. Quando saiu de Portugal, sabia muito a respeito da macrobiótica. "Depois, fui formando uma alimentação própria, que não é macrobiótica, mas é adequada ao meu corpo e ritmo de trabalho", diz. "Difícil é controlar as vontades de uma criança. Quando Maria vai a uma festinha, como hoje, por exemplo, não tem como não comer brigadeiro ou tomar coca-cola", enfatiza. Mas na casa de Maitê Proença não entra enlatados, nem refrigerantes. Não que tenha medo de engordar, mas gosta de comer bem. "Eu não passo vontade. Em alguns períodos, fico com fúria de chocolate. Quando percebo que me faz mal, a vontade vai embora. E não é consciente, conta. O conceito de beleza de Maitê está intimamente ligado à saúde.

Viva Feliz: Esse conceito tem alguma coisa a ver com Ayurveda?

Maitê: É muito abrangente o que essa medicina faz. Ela mexe com a alimentação também, mas trata-se de uma coisa muito mais holística. Com ela, aprende-se a harmonia, a integração com o todo.

Viva Feliz: Você acredita que a vida acaba aqui?

Maitê: É eterno. Eu tenho certeza.

Viva Feliz: Acreditar que é eterno ajuda a aliviar a dor?

Maitê: Ajuda sim. Mas é claro que quando perdemos alguém, ficamos tristes. Não dá para preencher o espaço daquela pessoa. É melhor sofrer. Passando pela dor, a gente aprende. Cresce com ela. Descobre que pode ser solidário. Consegue respeitar outras dores, de outros teores, inclusive.

De acordo com ela, acreditar que a vida é eterna traz um certo conforto. Diz ainda que é provado cientificamente que cada um de nós é parte de um todo, que fica em eterna transformação. Parece muito elaborado, mas não é. "É bem simples", diz, completando que se não fosse assim, as pessoas viveriam uma procura intelectual eterna. "Minha procura não é mais intelectual. Eu quero ir para um lugar onde o intelecto fique quieto, onde eu não precise de explicações e tenha paz porque lá, nesse lugar que há dentro de mim e de você, encontra-se com Deus", filosofa. Não ter formação religiosa, Maitê acha que é uma sorte. O fato de os pais serem ateus deu a ela a possibilidade de descobrir caminhos diferentes. Gosta de rituais. Participa de experiências religiosas. Não acredita, no entanto, que as religiões sejam completas. Fala com a propriedade de quem já foi confirmada luterana, batizada na igreja católica, fez incursões até no sufismo (misticismo arábico-persa, que sustenta ser o espírito humano uma emanação do divino). "Adoro os ensinamentos de Cristo, assim como os de Buda e Maomé. Houve sábios em todos os lugares e há ainda hoje", afirma.

Viva Feliz: Deus existe independentemente de haver religião?

Maitê: É mais difícil descobrir Deus quando se é apresentada a ele através de uma religião. Porque se você rejeita aquela religião, pode até rejeitar Deus. As religiões de uma maneira geral criam mais superstições do que caminhos que levam a Deus. Mas algumas podem trazer experiências divinas, que resultam em um contato verdadeiro. Podem ser um canal inicial. Podem tirar as pessoas do cotidiano, da mesmice, colocando-as num plano mais elevado.

Viva Feliz: O que você quer dizer com mesmice do cotidiano?

Maitê: É o condicionamento da sociedade que diz que nós devemos ter, ter, ter, ter, fazer, fazer, fazer, fazer... Essa coisa de passar o dia inteiro correndo atrás das coisas materiais, sem parar para ouvir o silêncio que existe entre um fazer e outro. Esse silêncio é criador. No entanto, eu, por exemplo, ainda preciso do material no dia-a-dia. Na etapa em que eu me encontro, tudo isso ainda é necessário.

Viva Feliz: Quando você diz etapa, está se referindo a uma vida, essa vida?

Maitê: Tem gente que atinge um nível de consciência em que não há necessidade da matéria nessa vida. Eu não tenho isso. Tenho lampejos de consciência. Eles me dão a noção de que a vida é maior do que a correria do dia-a-dia. Mas o material me dá muitas alegrias, ainda que circunstanciais. Aquela alegria perene, que vai ficar para sempre, eu sei que não estou nem perto dela. Sei, porém, que estou na direção.

Viva Feliz: Você relaciona o fato de as pessoas estarem voltadas para a espiritualidade com a mudança de século?

Maitê: Eu acho chatíssima essa história de mudança de século. Porque agora tudo o que acontece é em função disso. Já provaram que a virada do milênio aconteceu há três anos. O apocalipse passou e ninguém percebeu.

Viva Feliz: Esqueça a mudança de século. No momento, as pessoas estão se voltando para o lado espiritual?

Maitê: Eu acho que estamos entrando em uma nova era. Teve uma época em que o homem descobriu as ferramentas e com isso ficou menos selvagem. Aí, inventou os instrumentos mecanizados que o ajudavam a trabalhar. Assim, pôde se voltar mais para o intelecto. Hoje em dia, as coisas eletrônicas estão entrando na nossa vida com uma freqüência, que o computador chega a pensar para nós. Então podemos subir um degrau e ingressar na espiritualidade. A humanidade está se aprimorando e assim descobrindo que há outras coisas tão ou mais importantes que o avanço da tecnologia.

Viva Feliz: Trata-se de uma nova maneira de pensar, uma descoberta?

Maitê: Estamos descobrindo que o nosso potencial é infinito. Vai chegar uma época em que entenderemos que, com o conhecimento, seremos capazes de reduzir e até eliminar as doenças. Vamos evitar guerras. Tudo isso está ficando ao alcance do homem.

Viva Feliz: Qual o papel da globalização nesse processo?

Maitê: É verdade que a globalização tende a pasteurizar tudo. Mas com ela, temos acesso a formas de pensamento diferentes da nossa. A troca de experiência permitida pela globalização é muito rica. As pessoas tendem a achar que se trata de uma coisa ruim, mas não é.

Viva Feliz: Você acredita na força que emana das palavras?

Maitê: Das negativas?

Viva Feliz: Da energia que você desprende quando solta um palavra, independentemente do seu significado.

Maitê: Eu acredito que você solta ou puxa uma energia quando se comunica, que é liberada em função do que você sente naquele momento. Mas não é só a palavra. Tudo tem peso. Se eu apenas pensar que estou com sede, todas as células do meu corpo vão ser poupadas da falta de água por um hormônio, que estará fazendo esse trabalho simultaneamente ao meu pensamento. O corpo retrata o pensamento. Às vezes, basta querer ficar mais bonita que acontece. Iii, essa conversa vai longe... mas é real, não é maluquice não.

Viva Feliz: Alguém te acha maluca por acreditar na espiritualidade?

Maitê: As pessoas talvez achem que eu fico viajando, que eu passo o dia inteiro meditando. Não é nada disso. Eu continuo pé no chão pra cacete! Trabalho muito, ralo pra burro. Fico alegre, fico triste, me relaciono com as pessoas. Só que estou tentando aumentar o meu grau de consciência.

Quanto aos planos para o futuro, Maitê diz que está atuando em um filme, que se chama Tolerância, de Carlos Gerbase. Tem também uma peça de teatro que ela quer fazer. A peça, uma comédia do Vicente Pereira, foi escrita para ela e para o ator Carlos Augusto Strasser. "Não gostei dela quando foi escrita pelos mesmos motivos que hoje eu gosto", comenta. Ela está captando recursos para um filme que quer realizar na Amazônia. Vai atuar como atriz e pretende estrear como produtora. Quer ainda abrir uma clínica, voltada para a medicina Ayurveda, no Rio de Janeiro. "Um lugar onde as pessoas possam trabalhar prazeres e saúde, de uma forma (pausa) quântica. Estou com esse pensamento muito forte na cabeça, por isso acredito que vai acontecer", conclui.