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Maitê Proença faz antologia da liberdade no livro "É Duro Ser Cabra na Etiópia"
Veja São Paulo – junho/13

Dirceu Alves Jr
Foto: Ismar Ingber

Na semana passada, eu bati um papo por telefone com Maitê Proença. Ela no Rio, onde mora, de frente para o mar de Copacabana, e eu aqui, na redação, em São Paulo. O gancho – como dizem os jornalistas – era a peça À Beira do Abismo me Cresceram Asas, em cartaz, agora, no Teatro Faap. Além de protagonista, Maitê também é autora do texto e codiretora em parceria com Clarice Niskier. Falamos obviamente de teatro, de televisão, um pouco da vida, de envelhecer e, minutos antes de desligar, a entrevistada puxou um assunto que eu deixara passar batido. “E logo vou lançar um livro, viu? Um livro muito diferente que eu editei e batizamos de É Duro Ser Cabra na Etiópia”, disse ela.

Opa! Temos mais sobre o que conversar. E conversamos. “Ficou tão interessante”, derramava-se, entusiasmada. Alguns dias depois, o tal livro chegou às minhas mãos. E entendi. A capa rosa traz um bicho estranho de olhos azuis – deve ser a cabra etíope. Um projeto gráfico louquíssimo com muitas tipologias diferentes, cores chamativas, muitas variações de rosa. Li inicialmente o prefácio de Maitê. Lá, a “editora” explica as motivações de tudo isso. Trata-se de uma obra colaborativa, uma ideia que saiu de sua cabeça. A atriz, dramaturga e escritora criou um site e lançou um desafio que reuniria anônimos e famosos no mesmo barco. Cada um poderia deixar sua imaginação correr solta e escrever crônicas de temática livre, de preferência bem-humoradas, com até 1500 caracteres. Chegaram 1622 textos. E entre tantos estavam os de Clarice Niskier, José Eduardo Agualusa, Eduardo Wotzik, Mario Prata, Lúcia Veríssimo e Carlos Heitor Cony.


A cabra em questão na capa

É Duro Ser Cabra na Etiópia passou por uma seleção e finalmente chega aos leitores do papel. Em São Paulo, a sessão de autógrafos está marcada para 1º de julho na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

“Sabe que depois de deixar a atriz um pouco de lado e passar a escrever com mais frequência, eu melhorei muito… Como atriz”, disse Maitê, naquele dia, por telefone. “Passei a compreender melhor os textos e contribuir mais para os personagens que me confiavam.” Ela cita como exemplo a Dona Senhorinha, do remake de Gabriela, no ano passado. Em uma das primeiras reuniões, a estrela sugeriu ao diretor Mauro Mendonça Filho que aquela mulher tão reprimida pelo marido (papel de José Wilker) poderia ser explorada de forma mais marcante se fosse captada principalmente pelos seus olhares e silêncios. Essa sensibilidade já transparecia nos trabalhos anteriores como autora no teatro, Achadas e Perdidas e principalmente em As Meninas. “Ali, eu mostrava aquelas garotinhas exercitando pela primeira vez um ponto de vista em relação ao mundo adulto”, explica. À Beira do Abismo me Cresceram Asas, por sua vez, caminha para o outro extremo. As duas velhinhas – vividas por Maitê e Clarisse Derzié Luz – já passaram dos 80 e eliminaram a autocensura, mais ou menos como as crianças da outra peça, que ainda não conheciam a necessidade de se policiar. “Na velhice, ninguém tem mais tempo a perder. Fala-se o que bem entende baseado na experiência.”

Isso se chama liberdade. Das velhas, dos internautas e dos novos e velhos autores. “As pessoas hoje usam muitas palavras para falar poucas verdades, ficou tudo muito chato”, reclama Maitê. E apelar para a Internet – esse canal democrático – foi a forma de fazer um livro totalmente livre. Quer dizer, claro que houve uma peneira, mas sua essência é livre. Como literatura, o resultado é assim, assim… Alguns textos são deliciosos, outros nem tanto. Alguns funcionam como pílulas. Têm aqueles que são legais porque são curtos – sábia Maitê. Por isso também era preciso um projeto gráfico atraente. O conceito aliado às palavras, já que estas só já não são suficientes. Mas hoje existem livros que cumprem outras funções. Uma delas é incentivar as pessoas a se entregarem para a escrita – talvez assim, pela mão pouco viciada, o escritor de primeira ou de raras viagens seduzirá mais facilmente o leitor. É Duro Ser Cabra na Etiópia pode ser um daqueles que você vai puxar da estante e abrir em uma página qualquer. Talvez nessa hora você encontre justamente o que gostaria ler.