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O Momento de Maitê

Veja - 1984
 

Em seu primeiro grande papel, a mais bela atriz brasileira entra em cena para brilhar na mini-série "A Marquesa de Santos".

Sua beleza não se filia a um determinado gênero. Ela não é, por exemplo, do tipo da morena sensual, como Sônia Braga. Nem faz algo como a jovem atrevida vivida por Leila Diniz na década de 60. Ela é bonita e ponto final. Maitê Proença, de 26 anos, revelada na televisão ainda nos tempos da extinta Rede Tupi, em 1979, e tornada conhecida do público brasileiro depois de sua passagem por duas novelas da TV Globo, ostenta uma daquelas belezas translúcidas e acima das contestações que fizeram a glória de mitos das telas como Grace Kelly ou Catherine Deneuve. A essa abençoada revelação da televisão brasileira, o rosto mais bonito surgido no vídeo nos últimos anos, só faltava algo: um papel à altura de suas linhas. Agora, não falta nada. A partir desta terça feira, a atriz interpretará o papel principal da mini-série A Marquesa de Santos, produzida pela Rede Manchete de Televisão - sua primeira interpretação verdadeiramente de estrela.

No seriado, Maitê viverá a legendária Domitila de Castro Canto Mello, que recebeu o título de marqueza do imperador dom Pedro I, seu amante e admirador.

A Manchete providenciou uma estréia de gala para que Maitê interpretasse seu primeiro grande papel. Baseada no livro do escritor Paulo Setúbal, A Marquesa de Santos foi gravada em três meses, em locações cariocas como a Floresta da Tijuca e a Quinta da Boa Vista, além da cidade fluminense de Parati, e em 42 cenários construídos especialmente nos estúdios da emissora. "Só para vestir os figurantes, importamos oitenta roupas da Itália, pois desejávamos uma perfeita reconstituição de época", diz Arlindo Rodrigues, 52 anos, cenógrafo e figurinista do seriado.

Cortes da Censura

Para obter o desejado padrão de qualidade, o próprio proprietário da Manchete, Adolfo Bloch, 75 anos, empenhou-se junto a amigos colecionadores para alugar peças antigas, utilizadas na ambientação de determinados episódios. As armas que os soldados usam, por exemplo, são originais de 1816, e foram cobertas por um seguro no valor de 300.000 dólares, cerca de 590 milhões de cruzeiros. Duas carruagens e uma carroça do século passado vieram de Petrópolis especialmente para desfilar por poucos minutos ante as câmeras da emissora. Nos 25 capítulos da mini-série, Maitê aparece com 32 trajes diferentes, sendo que oito são luxuosos vestidos de baile. "Quisemos colocar no vídeo algo diferente, que escapasse da pasteurização e das fórmulas prontas", explica Zevi Ghivelder, 50 anos, diretor executivo de Rede Manchete.

A Marquesa de Santos é realmente diferente das mini-séries já apresentadas na televisão brasileira, a começar pela originalidade do tema. O espectador poderá ver dom Pedro I (Gracindo Júnior) como um imperador volúvel e paquerador, entretido com sua paixão tempestuosa por Domitila enquanto enfrenta as intrigas da corte. Essa combinação de política, amor e história do Brasil destila, como ingredientes mais picantes, uma sensualidade difusa e, principalmente, uma boa dose de irreverência no trato da figura do imperador - combinação que custou à produção alguns cortes determinados pela Censura Federal. A série funciona também como um bom painel da vida brasileira na primeira metade do século passado, com os bailes suntuosos na corte, as ruas estreitas do Rio de Janeiro e as casas ricamente decoradas dos nobres.

Estudar e Trabalhar

Nessa produção detalhista, podem-se notar dois deslizes. Em primeiro lugar, as cenas são às vezes muito longas. Além disso, nota-se alguma escassez de figurantes exatamente em episódios que requereriam a presença de grande número de pessoas, como da comemoração da Proclamação da Independência, em São Paulo.

De qualquer forma, A Marquesa de Santos assinala pelos menos dois marcos importantes, na atual temporada nos vídeos. O primeiro deles é a entrada da Manchete num gênero com que lança novo desafio à Rede Globo, campeã de audiência e das novelas ou mini-séries que tanto caíram no gosto do público brasileiro. O segundo é a apresentação de Maitê Proença com as pompas e o tratamento cuidadoso que já vinha fazendo por merecer há algum tempo.

Ainda mais do que o tema, na verdade, o grande trunfo da mini-série é mesmo Maitê Proença. No vídeo, ela aparece como uma moça de sorriso maroto, que vai da província de São Paulo para a capital, no Rio de Janeiro, enfrenta a hostilidade de uma parte da corte e amadurece no contato com a cidade grande e os poderosos da época. Maitê não fez por menos, e preparou-se com rigor para o papel.

Além do livro de Paulo Setúbal, ela leu tudo o que encontrou sobre a marquesa, e conseguiu dar um retrato convincente de Domitila. "A marquesa é um personagem fascinante", diz Maitê, "que estava à frente de seu tempo". A atriz não economizou esforços para desempenhar o papel. Durante as gravações, ela trabalhava cerca de 10 horas por dia e fazia questão de discutir todos os detalhes com o diretor Ary Coslov.

Esse empenho já é uma característica marcante em todas as atividades de Maitê Proença. "Ela é uma pessoa muito aplicada, que está levando muito a sério a profissão de atriz", diz Fernanda Montenegro, que trabalhou com Maitê na novela Guerra dos Sexos, da Rede Globo. Antes de fazer Domitila, a atriz havia aparecido apenas em quatro novelas, duas na Globo, e sempre em papéis secundários. Com essa bagagem artística relativamente pequena, ela se esforça ao máximo para aprender o seu ofício. "Sei muito bem que não sou uma grande atriz, e a única maneira que tenho de crescer profissionalmente é estudar e trabalhar a sério", diz.

Se a experiência artística de Maitê ainda é reduzida, ela não é uma novata na área cultural. Nascida em Campinas, no interior de São Paulo, Maitê é filha de casal de professor de direito e mãe professora de filosofia - e freqüentou uma escola americana, onde aprendeu a falar fluentemente o inglês. Aos 18 anos, ela decidiu botar o pé no mundo, e saiu por aí: seu passaporte tem carimbos de países da América Latina, Europa, Ásia e África.

"De tanto ver costumes diferentes, fiquei com a cabeça mais aberta, mais sensível a novas experiências", explica a atriz. "A Maitê é destemida", depõe, por sua vez, Ricardo Affonso Ferreira, 27 anos, seu ex-namorado e companheiro de muitas viagens. "Você a avisa do perigo, mas ela faz questão de enfrentar a situação, mesmo correndo riscos."

Gosto pelo Risco

Junto com Ricardo, Maitê esteve em lugares como o Irã, onde foi obrigada a usar o chador, o véu negro das mulheres, e o Marrocos, onde chegou a enlaçar-se com uma serpente, apenas por curiosidade. "A Maitê vai fazendo o que lhe dá na cabeça e ninguém segura" diz Ricardo. Passados oito anos desses périplos pelo mundo, e do fim do namoro com Ricardo, a atriz mantém o mesmo gosto pelo imprevisto. Tanto é assim que trocou a Globo, onde tinha uma carreira segura pela frente, pelo risco de embarcar na primeira mini-série da Manchete. "Quando sinto que as coisas estão meio paradas, prefiro dar uma sacudida e arriscar", diz a atriz.

Essa disposição esconde uma grande maturidade, fruto talvez de uma experiência trágica por que passou - quando tinha 12 anos, Maitê viu seu pai ser detido, acusado de matar a própria esposa, mãe de Maitê, depois de uma série de desavenças conjugais. Posteriormente, o pai foi levado a júri e absolvido, com base no argumento de "legítima defesa da honra". Durante longos meses, Maitê e seu irmão, René Augusto, hoje com 21 anos, tiveram de viver num internato e na casa do padre Francisco de Almeida, um amigo da família. Até hoje, Maitê se recusa terminantemente a comentar o caso, mesmo com amigos íntimos, quanto mais com um jornalista.

O Teatro pela TV

Quem conhece Maitê não tem dúvidas de que ela gosta do que faz e passa por uma fase feliz. Morando há dois anos com o empresário Paulo Marinho, 32 anos - ex-marido da colunável Odile Rubirosa -, ela divide seu tempo entre a Manchete e um pequeno círculo de amigos. Nas horas vagas, nada na piscina do Copacabana Palace, faz ginástica em seu apartamento - segundo os exercícios preconizados pela atriz Jane Fonda, num teipe de videocassete - e vê filmes antigos. "Dá sempre para aprender alguma coisa vendo os clássicos do cinema", diz. Paulo Marinho era freqüentador assíduo das colunas sociais cariocas até conhecer Maitê. Ele nega fundamento à sua antiga fama de grande namorador, mas reconhece que sua ligação com Maitê o fez mudar de vida. "É natural que seja assim, pois com o casamento passamos apensar como um casal", explica. "Nosso casamento vai tão bem que estamos plenamente preparados para ter um filho", completa Marinho, com o apoio de Maitê. "Seria ótimo se acontecesse", avalia a atriz.

Em toda a sua carreira, a única decisão que Maitê demorou para tomar foi justamente a de começar a trabalhar em televisão. Primeiro, ela queria ser psicóloga e chegou a entrar numa faculdade. Depois, encantou-se pela mímica e chegou fazer um curso a respeito. Ao mudar para São Paulo, enfim, ela conheceu o diretor Antunes Filho numa festa, e se ofereceu para entrar no curso de teatro por ele promovido. Maitê chegou a ser incluída nos ensaios de Macunaíma, a mais celebrada das realizações de Antunes, mas logo deixou o curso - trocou pela novela Dinheiro Vivo, da TV Tupi, a convite do autor Mario Prata "A Maitê ficou pensando uma semana", lembra a fotógrafa Camila Butcher, que dividia um apartamento com a atriz na época. "Mas, quando ela decidiu ir para a televisão foi de corpo e alma." O diagnóstico de Antunes Filho é outro: "Maitê estava ansiosa para que o mundo lhe prestasse homenagem, e nada melhor que a televisão, muito mais rápida que o teatro", diz.

Fãs ou amigos de Maitê se impressionam com a ausência de estrelismo da atriz. Ela é uma pessoa que tem consciência de sua beleza, mas em nenhum momento faz poses de diva ou mulher fatal. "A Maitê é o tipo clássico da doce figura", diz o jornalista e colunista Zózimo Barrozo do Amaral, amigo de Marinho e da atriz. Zózimo costuma jogar tênis com Maitê e diz que "ela não é nenhuma Maria Esther Bueno, mas joga direitinho". Outro jornalista amigo, o apresentador Roberto D'Ávila, levou Maitê para outra de suas experiências recentes - a apresentação de Diálogo, um programa de entrevistas levado ao ar aos domingos pela Manchete. "Ela é uma das pessoas mais inteligentes dessa nova geração", diz D'Ávila. Durante a campanha pelas diretas já, Maitê esteve presente em vários dos comícios, e está engajada na candidatura de Tancredo Neves. O envolvimento de Maitê com a política é no entanto bem medido: ela não subiu aos palanques para se tornar mais popular e agradar o público. Sabe que seu papel na política é reduzido, e quer vencer na vida artística por meio do trabalho.

"Por mais que a televisão projete a imagem de uma estrela, chega um momento em que o público percebe se ela tem ou não talento", pensa Maitê. "É por isso que a Fernanda Montenegro é a maior atriz do Brasil até hoje - ela sabe que as más atrizes passam e ela permanece." No meio artístico, há uma grande torcida para que Maitê se firme definitivamente como estrela com A Marquesa de Santos. "Todos estão na expectativa de que a Manchete tenha êxito na área da dramaturgia, principalmente com a Maitê, uma pessoa tão linda e tão inquieta", afirma a atriz Lucélia Santos, uma das primeiras com quem Maitê fez amizade quando mudou para o Rio de Janeiro. Na Manchete, tem-se como estabelecido que a Marquesa e Maitê já deram certo. Antes mesmo de a mini-série ir ao ar, a direção da emissora a convidou para permanecer na casa, e estuda a possibilidade de dobrar o seu salário, já um dos mais altos da televisão brasileira. Maitê ainda não se decidiu, mas pensa muito em fazer teatro. "Não pretendo ficar parada, essa é a única coisa de que tenho certeza", diz.

"Experimental": o adjetivo que ameaça a mini-série

Com o ingresso da Rede Manchete nos domínios da dramaturgia televisiva, pela porta da novela curta, ganha novo alento um gênero que freqüentemente é apontado como a chave do futuro para a televisão brasileira, mas que em todas as emissoras ainda é descrito como "experimental": o das mini-séries. "Queremos ocupar um espaço que não vem sendo explorado", afirma Maurício Sherman, diretor artístico da Manchete. Daí a decisão de produzir mini-séries. "Como nos dirigimos principalmente às faixas A e B do público, descartamos a possibilidade de fazer novelas, que são lentas, arrastadas e sem conteúdo", acrescenta Rubens Furtado, diretor-geral da emissora.

Mesmo na Rede Globo, campeã do mais característico produto da televisão brasileira - a novela tradicional -, admite-se que a novela longa talvez já tenha iniciado a curva descendente de seu prestígio. Embora as audiências ainda sejam boas, não são tão esmagadoras como na década passada, nem o impacto e a importância do gênero são os mesmos. Sucessoras naturais das novelas, segundo muitos, seriam as mini-séries. Seu caminho, porém, até agora tem sido acidentado - na própria Globo, alternaram-se sucessos artísticos, como Avenida Paulista, com equívocos, como a recente Padre Cícero. Quanto à adesão do espectador, até agora não foi bem testada. Às mini-séries têm cabido horários marginais da programação, como o espaço posterior às 10 da noite. Com A Marquesa de Santos, colocada no ar às 21h15, elas conseguem o lugar mais próximo, até agora, do horário nobre.

Promessa ou Maldição? — A ambição acompanha a entrada da manchete no gênero. "Em outras coisas podemos começar de baixo para cima, mas não na dramaturgia, em que a Globo atingiu um padrão tão alto", disse, numa reunião de diretoria, o próprio proprietário da emissora, Adolfo Bloch. "Temos que começar do alto para o alto." Por decisão do próprio Bloch, nessa linha de raciocínio, escolheu-se A Marquesa de Santos, uma produção cara e requintada, como peça de estréia.

A opção tem seus inconvenientes - e um deles são seus altos custos, calculados em 45 milhões de cruzeiros por capítulo. Outro é que, quando se lida com matéria histórica, não há chance para o merchandising - aqueles anúncios disfarçados inseridos nas novelas. "Ficaria difícil fazer a marquesa usar sandálias Melissa ou forçar dom Pedro a tomar Coca-Cola", diz Sherman.

Duas outras mini-séries já estão programadas na Manchete, para suceder A Marquesa de Santos: Viver a Vida, de Manoel Carlos, e Santa Marta Fabril, de Abílio Pereira de Almeida. Não há consenso na emissora, porém, sobre se depois de uma primeira fase de mini-séries deve-se insistir nelas ou partir para a novela tradicional. Está aí uma prova de fogo para as mini-séries. Se agora elas vêm para ficar, e não para as aparições bissextas que têm marcado sua trajetória na Globo, perderão de vez a característica de gênero "experimental". Caso contrário, ficarão atadas a um rótulo que, antes de anunciar uma promessa para o futuro, começará a pesar como uma maldição.