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Entrevista para Revista Quem

Revista Quem - Agosto/2012

As cenas da D. Sinhazinha com Jesuíno, em Gabriela, são muito reais e causam um incômodo em quem assiste. Como foi para você gravar cenas de tanto abuso?

Como ator, há que se ter uma distância daquilo que se está interpretando, é estranho, mas a distância faz com que tenhamos domínio pra poder então mergulhar na emoção de cada momento. A gente sofre, mas é um sofrimento específico, do instante. O resto é compreensão. No Brasil todo, na cidade do Rio de Janeiro onde vivo há um sem fim de mulheres sofrendo humilhações e espancamentos, caladas. Mais que isso, muitas vezes elas assistem suas filhas serem estupradas pelo pai, pelos tios. É triste e é frequente. Foi nessas criaturas que me inspirei.

Foi difícil se despedir da personagem?

Muito. O ambiente dentro dos estúdios não poderia ser mais afetuoso. Maurinho juntou uma equipe de gente eficiente e afável (e não de gente que complica achando que assim vai se valorizar), facilitadores, gente que gosta de gente, e de ver o trabalho feito. Meu personagem foi muito bem escrito pelo Walcyr e colaboradores, e um bom personagem é muito gostoso de desenvolver. Estive cercada dos melhores atores. Saio de dever cumprido mas já cheia de saudades.

Segundo está no seu blog, quando tinha 14 anos, seu pai ficou preocupado por estar namorando um rapaz de 18 anos e a mandou para passar quatro meses em Paris. Ele acabou lhe mostrando um mundo novo? Foi aí que descobriu o prazer que carrega até hoje de viajar, conhecer novas culturas? No fundo, foi um bem esse “castigo” de ir para Paris? Foi lá que teve sua primeira experiência com artes cênicas, no curso de mímica?

Estudei a infância toda numa escola internacional, não havia brasileiros, mas sul-africanos, suecos, noruegueses, americanos, ingleses, costarriquenses, uma gente que ficava dois anos e depois partia. A curiosidade por outros mundos nasceu ali. Já havia viajado dentro da América do Sul e para os EU quando pisei pela primeira vez na França. Permaneci quatro meses nessa primeira viagem. Primeiro na casa de uma senhora de oitenta anos gentil mas dura, havia atravessado duas guerras, isso era visível no comportamento dela. Logo me vi livre da doce/dura figura e fui parar numa família com cinco filhas, que possuía um lindo castelo no campo. Eu não sabia do castelo, mas quando chegamos lá e q me vi cercada de cavalos de raça, com almoços e jantares de vários pratos servidos por cinco mordomos, diariamente, uma sofisticação que nunca havia vislumbrado, e ao mesmo tempo, a companhia de meninas da minha idade, e meninos lindos que visitavam sempre, à cavalo atravessando os campos (e nós faziamos o mesmo), foi uma alegria. Me esforçava pra aprender logo o idioma e absorvia tudo aos borbotões. Tenho lembrança vívidas de tudo aquilo.

Tem apenas uma filha, a Maria. Já deu declarações dizendo que ficou no caminho do meio da permissividade e que nunca foi paranóica. Agora que ela está adulta acha que fez um bom trabalho?

Maria é perfeita, não consigo encontrar defeitos nela. Além da educação, penso que dei sorte, ela me veio quase pronta.

Quando tem essa sensação de que foi uma boa mãe? Como se manifestava a permissividade?

Maria é doce sem se melada, é na dela, não faz questão nenhuma de aparecer, não se impoe em vão, é inteligente, irônica, divertida, e muito educada. quer mais? Eu posso falar o dia inteiro disso.

Fui introduzindo Maria aos diversos assuntos polêmicos da vida na medida da idade que tinha. Com todo cuidado tratava pra não dizer ou mostrar mais do que o necessário, mas também nunca, nunca menti; ela sempre recebeu explicações e respostas objetivas, esclarecedoras, por mais que custasse. Sempre achei que a clareza levaria a bom lugar. Acertei.

Hoje, muito se fala de limites, acha que faltou limite na educação dela? Faria algo diferente ou tudo do mesmo jeito?

Teria sido mais flexível quando era bem pequenina. Maria nunca precisou de palavras duras e eu as usei antes de me dar conta de quanto seu temperamento era sensível. Se ultrapassei fronteiras foi por excesso de rigor e não pela falta dele. Mas nessa seara, tudo é um ajuste que deve ser afinado de acordo com cada criança e suas características, eu acho.

De que forma a educação que recebeu dos seus pais influenciou na educação que deu à sua filha?

Enquanto meus pais estiveram presentes, foram bastante atentos aos filhos. Se pautavam em teses psicanalíticas, eram pessoas amorosas e informadas que queriam acertar. Passávamos as férias sempre viajando, fazíamos muito esporte, havia concursos de poesia em casa, meu pai brincava de mágico, minha mãe tocava o piano. Perderam-se na própria relação amorosa, mas deixaram muitas lembranças, e suas orientações ficaram bem marcadas em mim.

Nunca pensou em ter mais filhos?

Depois da Maria pensei muito. Não rolou. Mas o pai de minha filha teve outros filhos e somos todos muito próximos.

Voltando a Sinhazinha, acha que a única coisa que faz uma mulher ser infiel é a infelicidade no casamento? A mulher feliz com o marido não trai, na sua opinião?

Acho que pode trair sim, mesmo feliz. Paixões acontecem e arrebatam, não escolhem hora ou lugar. A vida é uma só, às vezes não parece certo ou compensador abrir mão de uma história de amor. Outras vezes, uma aventura pode estragar uma relação sólida, maravilhosa, e a pessoa apaixonada, tendo um temperamento abnegado, consegue não se aventurar. Muitas vezes conter-se mostra-se acertado, o objeto de amor não era aquilo tudo que parecia. Na maioria dos caso, entretanto, idealiza-se o amor que não aconteceu, e fica a questão: mas e se eu tivesse me jogado?

Na revista dessa semana, tem uma entrevista que fiz com a Laura Cardoso e ela diz que essa violência contra a mulher que é mostrada em Gabriela ainda existe na sociedade atual, claro de forma diferente. Você também acredita que essa violência contra a mulher ainda está muito presente na nossa sociedade? Como fazer para amenizar tanta dor?

Hoje, no Brasil, existe a Lei Maria da Penha pra quem tem coragem de denunciar. Ela funciona, é preciso fazer uso. No mundo árabe, e em muitos cantos do oriente, a única escravidão que ainda persiste é a da mulher. Infelizmente.

D. Sinhazinha vai ser assassinada pelo marido ao ser flagrada com Osmundo. Sem querer fazer uma comparação, ou melhor, fazendo de leve, desculpe, mas é difícil não tocar nesse assunto. Tem uma alusão à sua história de vida, da morte de sua mãe, como foi para você gravar essas cenas? Teve alguma dificuldade, alguma lembrança?

Tive dificuldade sim. Mas fiz.

É mais fácil aceitar que um homem traia? Já perdoou alguma traição? Já traiu?

Já traí, já fui traída e já perdoei. Não acho difícil nem impossível perdoar. É só querer andar pra frente em vez de ficar amarrada em algo que já aconteceu. Segue-se. Há muitas coisas mais importantes e há, sobretudo, a história toda pregressa com aquela pessoa, que não pode deixar de ser levada em conta. Traição acontece. Doi, depois passa.

Aos 54 anos, está cada dia mais linda. Como cuida da beleza?

Sempre me alimentei muito bem, tenho varios truques que fui colhendo ao longo dos anos em funcao de um grande interesse por diferentes dietas, por nutricao. Tomo agua quente ao acordar, a maionese em casa é feita com tofu, o açucar, se necessario, vai ser mascavo ou cristal, ingiro muitas leguminosas e graos, assim por diante. Faco esportes moderadamente, na medida que me der algum prazer. Tento gostar do que estou fazendo, tento gostar de quem esta perto de mi, e foco na coisa do momento.

Tem medo de envelhecer? Se sente mais cobrada por isso, já que é um dos símbolos de beleza feminina do país?

Há maior cobrança mas eu espero, a essas alturas, ter desenvolvido características atraentes que não dependam da beleza de fora. Caso contrário, o que será dos próximos anos? Porque pretendo que sejam muitos, e divertidos.

Está solteira ou namorando?

Estou soltinha.

Gostaria de se casar novamente?

Se encontrar um companheiro que seja encantado com a vida, sim.

É escritora também, tem algum novo projeto a vista?

Tem o É duro ser cabra na Etiópia, meu próximo livro a ser lançado, por questões de marketing, no início do ano de 2013.

E TV, teatro, algum projeto?

Escrevi uma peça sobre duas velhinhas num asilo - alegre, não é?- e está em fase de captação. Talvez eu faça uma das velhinhas, por outro lado há tantas atrizes da idade certa que poderiam interpretar as personagens: Laura Cardoso, Suely Franco, Beatriz Segall, Cleide Yaconis, Marília, Fernanda... Vamos ver.