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Dois sucos: Maitê Proença fala do seu novo espetáculo

Revista O Globo - Março/2013
Mauro Ventura


A atriz comenta sua estreia na direção e explica por que escolheu falar do envelhecimento

A atriz Maitê Proença escreve e dirige a peça "A beira do abismo me cresceram asas", em que faz uma senhora de 86 anos Mauro Ventura / Agência O GLOBO

RIO - Era para Maitê Proença ter apenas escrito a peça “À beira do abismo me cresceram asas”, que tem ensaio aberto neste domingo, às 20h, e estreia sexta, às 21h, no Teatro do Leblon. Mas aí, para arrumar patrocínio, ela teve que atuar. Faltava o diretor. Clarice Niskier, com quem fez uma leitura do texto no Midrash, se ofereceu, mas estava com a agenda cheia. Maitê propôs: “Vamos dirigir juntas?” E assim ela acabou acumulando as três funções, em sua estreia na direção. A peça se passa num asilo e traz a carrancuda Terezinha (Maitê), de 86 anos, e a otimista Valdina (Clarisse Derzié Luz), de 80, que carrega um segredo. A supervisão é de Amir Haddad. “Quando eu e Clarice Niskier ficamos bem malucas, ele vem e deixa a gente mais maluca”, brinca. “Mas a maluquice dele é tão própria que ordena e cai tudo no lugar. Graças a ele e a ter começado a escrever, estou indo a lugares que nem sabia que existiam e que eram acessíveis para mim. Outra atriz chegou. Não quero trabalhar com formas que conheço, é inadmissível fazer o que já fiz.” Em abril, surge um novo lado dela, de editora, com o lançamento pela Agir de “É duro ser cabra na Etiópia”, coletânea de crônicas que têm essa frase como mote. Há desde textos seus e de nomes como Carlos Heitor Cony e José Eduardo Agualusa até anônimos. Maitê selecionou 180 entre 2.500, agrupou por temas, costurou e fez comentários. Fez o mesmo com fotos, desenhos e pinturas, igualmente recebidos pela internet.

REVISTA O GLOBO: Como surgiu a peça?

MAITÊ PROENÇA: O produtor Fernando Duarte me trouxe depoimentos que recolheu em asilos. Mas era muita lamúria: “Cotadinha de mim, largada no fim da vida nesse fim de mundo.” Deixei de lado o material, até que seis meses depois reli. Refleti que talvez duas mulheres repassando a vida num asilo fosse um bom terreno para colocar tudo o que penso hoje. Afinal, o que pode ser mais amplo do que alguém que já percorreu a vida toda? Dá para botar mulheres de todas as fases. Juntei a pesquisa dele com histórias que inventei e que ouvi. Exemplo: as personagens comentam sobre uma cantora de ópera internada no asilo que ia para a cerca e o povo dava álcool puro só para vê-la caída. Um diretor novo combinou que se ela não fosse mais para a cerca ganharia uma garrafa de vinho por dia até o fim da vida. Elas acham certo a atitude dele: “A mulher bebeu a vida inteira e agora, com quase 90, largada nesse fim de mundo, vão querer reformar os hábitos da criatura?”Quem me contou algo parecido foi o Stepan Nercessian (presidente do Retiro dos Artistas), e incluí no texto.

Uma personagem comemora poder dizer “o que dá na telha”.

Quem viveu tanto como elas pode falar de qualquer assunto com autoridade e sem a cerimônia que se tem aos 50 anos. Elas não têm tempo a perder. Não há aquele verniz todo por cima. A esta altura da vida, não é preciso tirar tantas camadas para chegar à pessoa de verdade. Faço ginástica no Copacabana Palace e só tem velhinhas. Elas falam coisas inacreditáveis para mim, que ninguém fala: “Esse vestido é bonito, mas estava muito feio em você.” Ou: “Minha filha, na sua idade fiz um preenchimento nas mãos, você não pode ter mãos assim e deixar.” Elas te alertam para o que você não esta vendo. E contam coisas inacreditáveis da vida pessoal, que com certeza não contavam aos 50.

Como é escrever do ponto de vista delas?

Não faço ideia do que é a urgência de saber que se tem pouco tempo. Mas sou uma pessoa que está de olho aberto desde que nasci. Já vivi muito mais do que outros que estão passando pela vida com menos curiosidade. Olho essa mulher (aponta para uma na rua) e me interesso em saber por que está mancando, por que caminha meio acorcundada, com quem está falando. Andando na praia, penso quem são essas pessoas que estão deitadas na areia todas as horas do dia. Já viajei muito, a 70 países, porque gosto de ver e estar com gente, não para botar no currículo.

Este tema, envelhecer, tem estado presente em você?

Sinto que é diferente o jeito que me olham hoje do que quando tinha 30. Se tem uma coisa que você não tem aos 55 e que tem aos 30 é o viço. Ele é muito sedutor. É um frescor que é muito atraente, que tem cara de saúde. Você vê mulheres que fazem de tudo, plástica, malhação, puxam daqui, puxam dali, botam peito, bunda, tomam de tudo, mas não adianta. Não têm o tal do viço. Por isso fica esquisito.

Você escreve, dirige e atua na peça. Como é acumular as funções?

Fica uma confusão na minha cabeça, porque as três têm exigências diferentes. Entre a atriz e a autora não há atrito. São entidades distintas. Já a diretora dá muito trabalho à autora. Mexe no texto, vai inventando coisas. A certa hora, achei que faltava um segredo e criei uma carta. Foi uma ideia da diretora, a que a autora não podia ficar impermeável e tinha que enfiar no texto. Mas para não ficar enorme tinha que tirar algo. Aí você tem que deixar a preguiça de lado, trabalhar de madrugada e reescrever tudo.