Estrela da minissérie "A Marquesa de Santos", ela prova que não é apenas o rosto mais bonito da TV brasileira
Quando estreou na Rede Globo, há quatro anos, como uma das protagonistas da novela As Três Marias (as outras eram Glória Pires e Nádia Lippi), Maitê Proença foi saudada pelas revistas especializadas em televisão como a nova namoradinha do Brasil, o rosto mais bonito da TV, a nova estrela das novelas. O Pasquim, em seu tom, apelidou-a de "Maitesão". Mas, enquanto a imprensa alisava seu ego, Maitê assistia aos primeiros capítulos da novela e passava a conviver com o constrangimento de notar que tanta divulgação não correspondia às mesmas doses de talento. Não aguentou a pressão. "Parem com isso. Estou me obrigando a uma qualidade de trabalho que não sou capaz de apresentar", queixou-se então no gabinete do vice-presidente de Operações da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. "Então você também não merece um salário tão alto", rebateu ele "Aí não", reagiu Maitê. "Eu tenho potencial. E é nisso que você tem que investir."
Sábias palavras. A paulista Maitê Proença Gallo, seu nome de certidão de nascimento, nunca duvidou de seu potencial. Mesmo hoje, aos 26 anos, quando se lembra da desastrada trajetória de As Três Marias, não associa seu desempenho à falta de talento. "Eu só tinha feito uma novela antes", desculpa-se. "Fui, então, contracenar com a Glória, que faz televisão desde os 5 anos de idade, e com a Nádia, que tinha dezessete novelas nas costas. Era difícil enfrentar a comparação." Como toda atriz muito bonita, Maitê costuma ter seu talento dimensionado na razão inversa da delicadeza de seus traços. Bobagem. A própria Maitê raciocina com acerto: "As só bonitas ficam na Globo três meses e depois são vomitadas pelo mercado. Se o ator não tiver alguma chama o público não acredita nele por muito tempo." A chama de Maitê brilhou mais forte que os preconceitos. Passou, sem sinais de enjôo do público, por mais duas novelas da Globo e agora está pronta para a vingança da mulher bonita.
Nesta Terça-feira, a partir de 21h15m, quando a Rede Machete colocar no ar o primeiro capítulo da minissérie A Marquesa de Santos, ela se torna protagonista absoluta.
A Marquesa, a legendária amante do imperador D. Pedro I, ficaria orgulhosa de sua atriz. Afinal, ela é mesmo o rosto mais bonito da TV e está disposta a gastar toda a sua chama e seu potencial para esbanjar talento. "Confesso que não a escolheria para ser a marquesa", admite o autor da minissérie, Wilson Aguiar Filho, 32 anos, que já escreveu para a Globo as novelas Marina e O Amor É Nosso. "A marquesa era morena e com muita força interior. Eu pensava numa atriz como Sônia Braga ou Regina Duarte." Mas, após assistir às primeiras gravações, Aguiar Filho relaxou: "A Maitê já chegou ao estúdio sabendo tudo sobre a vida da marquesa. Ela se dedicou tanto, fez um trabalho tão bonito, que vai ser uma surpresa para muita gente." O diretor Ary Coslov, 41 anos, que já havia trabalhado com Maitê em Guerra dos Sexos, da Globo, também é pródigo em elogios:
"Ela sempre vendeu a imagem de uma mulher bonita que representa papéis e agora está representando um papel que, por acaso, é o de uma mulher bonita", diz ele.
"Ela consegue juntar seu temperamento de atriz com o preparo; a espontaneidade com a emoção. Maitê está surpreendente."
É claro que a marquesa de Maitê também impressiona pelo rosto bonito. "Como esteta, é irresistível não dar um close nela", concorda Coslov. "A própria câmara é atraída por sua beleza." Maitê não liga. "Que bom que eu posso dar prazer estético às pessoas", suspira.
Foi sempre assim. Como em 1979, quando, recém-chegada de uma estada na Europa, não sabia muito o que fazer da vida e passou a freqüentar um curso para a formação de roteiristas de cinema no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo. "Ela sentava na terceira fila. Era uma gracinha", recorda-se o autor teatral Mário Prata, 38 anos, um dos conferencistas do curso. "Havia gente que só ia fazer palestras por causa dela", garante. Maitê também se lembra das aulas do MIS: "Eu ficava acanhadíssima. Não disse uma palavra durante todo o curso." Mesmo assim, Prata convidou-a para trabalhar na novela Dinheiro Vivo, que ele escrevia para a TV Tupi. A personagem Joaninha, uma adolescente ingênua que respondia sobre Roberto Carlos num programa de televisão, foi escrita especialmente para ela. "Não sabia se Maitê tinha talento ou não. Só reparei na sua figura. Televisão é isso mesmo: uma cara bonita", confessa Prata. "Mas de lá para cá ela cresceu muito. Hoje é uma boa atriz." Maitê quase não aceitou o papel. Estava fazendo teatro com o diretor paulista Antunes Filho e não queria parar. Chegou a ensaiar uma adaptação de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e uma fantasia sobre a vida de Xica da Silva. Quando o diretor começou a pensar na montagem de Nélson Rodrigues, O Eterno Retorno, Maitê cansou-se de tantos ensaios e foi para a novela. "Naquela época, eu já dizia que ela seria uma grande estrela de TV", conta Antunes, 55 anos. "Ela tem toda a beleza de que a televisão precisa." Maldade de Antunes. Até parece que ela já se esqueceu de que a escolheu entre oitocentos candidatos para fazer parte do grupo de vinte novos atores que trabalhariam em Grande Sertão: Veredas.
Na televisão, Maitê tornou-se o maior sucesso da novela de Prata e passou a ser cobiçada pela Globo. Recusou cinco convites. "Só queriam me usar como adorno estético", justifica. É besteira insistir com Maitê nesta área. A revista Playboy, por exemplo, passou uma longa temporada enviando flores à atriz e telefonando-lhe uma vez por semana. A idéia era conquistá-la para que posasse nua. Maitê só se livrou do assédio quando prometeu à revista que, no caso de não resistir à oferta de alguma concorrente, daria à Playboy a chance de fazer uma contraproposta. Os telefonemas agora só se repetem uma vez por mês. Mas dificilmente Maitê será vista enfeitando a parede de alguma oficina mecânica. "Não sou moralista, mas os leitores deste tipo de revista são", explica.
Quando a Globo, enfim, percebeu a sua chama e lhe ofereceu um bom papel na novela Coração Alado, em 1981, Maitê aceitou. Começou, então, a superdivulgação de sua imagem pela imprensa. Os primeiros capítulos da novela mal tinham sido gravados quando a atriz fraturou o fêmur num acidente de carro e foi substituída por Myriam Rios. Maitê só entraria no ar alguns meses depois na pouco vista As Três Marias. Mas já começava a virar lenda na Globo. A marquesa que interpretava agora era inimiga de morte do José Bonifácio da corte imperial. Mas ficou amicíssima do José Bonifácio da corte global. O temido Boni dos memorandos irados e do desprezo pela falta de talento acreditou no potencial de Maitê. Da amizade surgiu uma frase definitiva da atriz ("Boni sofre de excesso de vassalagem") e ficou famosa a serenata que o executivo lhe ofereceu em sua casa de Angra dos Reis.
Como se vê, a passagem de Maitê pelos corredores da Globo já deixava ver a forte personalidade que a atriz demonstraria ter ao aceitar o convite de transferência para a Manchete. Na Globo, ela poderia permanecer, de novela em novela, sem maiores desafios, mas também sem o risco de arranhões em sua imagem. Na Manchete, ela depende só de seu talento para ajudar a emissora a criar um novo hábito no espectador. Maitê não se preocupa. "Vou correr o risco. Se der certo, será um programa histórico. Se não der certo, não vai ser por falta de paixão", diz ela. Paixão é o que Maitê não tinha mais em seus trabalhos na Globo. "Lá, a possibilidade de escolha estava ficando pequena. A pouca influência que eu podia exercer sobre meu trabalho estava me dando um certo marasmo", continua. A Marquesa de Santos chegou na hora certa.
"Recebi um roteiro completo, com início, meio e fim. Compor a personagem direito só depende de mim. Pelo menos não corro o risco de descobrir que a marquesa é tímida no capítulo 20, como acontece nas novelas."
Maitê mergulhou na vida de Domitilia de Castro Canto e Mello com a disposição de quem sabe que esta é a maior chance de sua carreira. Hoje ela é capaz de discorrer horas sobre a personalidade da marquesa. E, mais que seus críticos, ela sabe que não basta seu rosto bonito para dar credibilidade ao seu novo trabalho na TV. Nas tardes nubladas, Maitê pode ser vista em praias afastadas do Rio falando, aos gritos, com o mar. É seu modo peculiar de treinar impostação de voz. Mais difícil é assistir a seus exercícios de dança e alongamento do corpo, ao som de rocks e valsas, que ela execulta na sua sala de visitas do amplo apartamento em que mora, na avenida Atlântica, em Copacabana. As únicas testemunhas são os quadros de Tomie Ohtake que mantém na parede. Ela tranca as portas da sala até para o marido, o investidor Paulo Marinho, 32 anos, com quem vive há três.
No tempo em que as novelas da Globo ainda despertavam sua paixão, ela sempre podia ser encontrada nos corredores da emissora conversando com atores mais experientes. Nunca era conversa jogada fora. "Depois de meia hora com Mário Lago, eu fico meia hora mais Mário Lago do que era meia hora antes. Isso só pode fazer bem", raciocina, numa lógica irrepreensível.
Não se deve esperar de Maitê, porém, uma atriz de brilho técnico. Ela é daquelas que se baseiam na intuição. "O material do artista é a sua experiência de vida", acredita. "Quanto mais ela for diversificada, mais possibilidades ele tem de entender uma personagem." Se for mesmo assim, Maitê tende para a versatilidade. Ela nasceu em Campinas, São Paulo, e é filha de um procurador da justiça e de uma delegada cultural dos municípios próximos à sua cidade. Na escola em que estudava, fazia parte do time de beisebol e vôlei e da equipe de natação. Em casa, respirava arte. A mãe tocava piano clássico cinco horas por dia. Nas férias, decorava diálogos de Shakespeare, no original, para representar com o pai. Os preferidos eram os de Macbeth.
Aos 13 anos, perdeu a mãe de maneira trágica num episódio que ela sempre insinua, mas se recusa a contar. Afastada do pai, viveu com o irmão quatro anos mais moço num pensionato luterano e, mais tarde, na casa de amigos. Aos 18, com a pensão deixada pela mãe, embarcou para Paris. Foi babá, vendedora de jornais nas estações de metrô e estudou mímica. Acabou viajando de carona por quarenta países ao lado de um antigo namorado brasileiro. Voltou ao Brasil e foi parar no tal curso do MIS onde conheceu Mário Prata.
Maitê não gosta mais de falar sobre esse período de viagens. "Sempre me perguntam sobre isso", reclama. "Acho que as pessoas têm uma imagem minha que não combina com a vida que eu levo." Pode ser. Mas clichês e imagens não têm o poder de impedir a ascensão de Maitê. Ela nasceu com o dom de desmistificar todos os lugares-comuns que costumam acompanhar um rosto bonito. A falta de talento, por exemplo, começou a ser questionada quando estreou em teatro, no início do ano passado, na comédia Mentiras Alucinantes de um Casal Feliz, ao lado do experiente Armando Bogus. Só recebeu críticas positivas. Descobriu então que "o trabalho de ator é o melhor do mundo".
A imagem de bonita e burra costuma ser revista, toda as noites de domingo, quando ela apresenta, com sutileza e ironia, as entrevistas do programa Diálogo, da produtora Intervídeo, na TV Manchete. "Precisávamos de uma pessoa inteligente para servir como elo de ligação entre uma entrevista e outra", conta o jornalista Roberto d`Ávila, responsável pelo programa. "A Maitê é irreverente, tem o espírito crítico e captou bem o clima que queríamos." Foi a inteligente Maitê que surpreendeu o público quando, há dois anos, num dos inúmeros debates transmitidos pela televisão carioca com os candidatos a governador do Rio, a câmera da TV Bandeirantes descobriu-a entre os curiosos presentes no estúdio. Maitê votou no PMDB, em São Paulo, e fez campanha para o PDT, no Rio. No tempo da agitação pelas eleições diretas, foi a Brasília com o grupo de mulheres que cabalava votos para a emenda Dante de Oliveira. Mas não confia na classe política. "Eles me pintam um quadro muito complicado. Quando o povo pode manifestar-se livremente, ele o faz de maneira criativa, desde o Carnaval até os comícios pelas diretas. Alguma coisa está errada." Para Maitê, a política brasileira é uma peça de teatro equivocada: "Os atores são ótimos e o cenário sensacional, mas o roteiro é péssimo e o diretor, pior ainda. "Ela gosta em doses iguais de gente tão diferente quanto o senador Fernando Henrique Cardoso, o presidenciável Tancredo Neves, o governador catarinense Esperidião Amin e o empresário Antonio Ermírio de Moraes. "Estas pessoas são genuínas. Elas é que deveriam dirigir o circo", constata.
Desde que casou com o colunável Paulo Marinho, ex-marido de Odile Rubirosa, a politizada Maitê passou a conviver também com a imagem de deslumbrada com a alta sociedade carioca. "Isso é falso", rebate. "Em Campinas, a terra dos barões do café, participei de uma sociedade muito mais fechada que a do Rio. Este espaço é mais meu que do Paulo, que nasceu na Miguel Lemos", uma rua de Copacabana sempre associada à malandragem. Seu diretor Ary Coslov já percebeu: "Ela é uma atriz extremamente fina e elegante. Não deixa a gente esquecer nunca que é uma pessoa de classe."
Nem por isso Maitê costuma ser muito vista nos acontecimentos que recheiam as colunas sociais dos jornais do Rio. É mais fácil flagrá-la em casa grudada ao videocassete (vê seis filmes por semana), lendo a revista americana National Geographic ou ouvindo discos de Art Garfunkel.
Sempre que possível, ela nada vinte vezes toda a extensão da piscina do Copacabana Palace Hotel. "Não somos muito de sair. À noite, o Paulo gosta mesmo é de vestir um pijama, cair na cama e ficar enrolando o meu cabelo enquanto eu passo maquiagem nele. A vida a dois é sempre um pouco ridícula", revela.
Nessa rotina, Maitê não dedica muito tempo a cuidados com a beleza. Ela nunca depila as pernas, por exemplo. Acredita nos benefícios de uma alimentação saudável e, por isso, evita corantes e enlatados. Apesar de uma leve tendência a engordar, quase nunca rejeita, na sobremesa, uma taça de sorvete de pistache com cobertura de chocolate. Não dispensa, diariamente, uma pílula de vitamina B12 e remédios homeopáticos que a ajudam a encontrar o equilíbrio do corpo. "Só no Brasil existe essa valorização da beleza", acredita. "Então é um problema do Brasil, e não meu." Por isso mesmo foi mais difícil para a bela Maitê provar o seu talento. A partir desta terça-feira, sua carreira decola de vez.
Com a união da beleza que ganhou de graça e o talento que esculpiu à força, vai ser difícil vê-la aterrissar.
A Marquesa, segundo Maitê
Domitila de Castro Canto e Mello é tratada nas enciclopédias como "a mais importante e duradoura ligação amorosa do primeiro imperador do Brasil". Filha de um coronel de milícias, a Marquesa de Santos - título que recebeu quando já era favorita de Pedro I - nasceu na província de São Paulo em 1797. Foi lá que, já separada do primeiro marido e vivendo com três filhos, conheceu o amante famoso e iniciou uma vertiginosa escalada ao poder, pouco antes de completar 26 anos. É esta também a idade de Maitê Proença, a atriz que vai interpretá-la na televisão. "A minha marquesa é uma pessoa hedonista", revela Maitê, com a autoridade de quem leu cinco livros sobre a personagem. "Ela tem disponibilidade para gostar de tudo o que a vida coloca diante dela."
Bonita e vonluntariosa, Domitila reinou na corte com poderes de imperatriz. Chegou a disputar com a austríaca Maria Leopoldina (a verdadeira imperatriz, interpretada no vídeo por Maria Padilha) um louco concurso para ver quem dava mais filhos ao imperador. Leopoldina ganhou a parada: gerou sete crianças de D. Pedro, contra quatro de Domitila. "A marquesa gostava da Leopoldina", acredita Maitê. "Mas não era por isso que iria deixar de ser amante do seu marido." "As outras damas estavam sempre tentando adivinhar o que fazer para agradar o imperador", continua Maitê. "A marquesa, ao contrário, buscava o seu próprio prazer. E por isso mesmo dava mais prazer a ele." Retratada nos livros de história como articuladora de jogadas políticas, essa face da Marquesa de Santos é desmistificada por Maitê. "Isso é um pouco de má vontade dos historiadores, e da corte, que nunca aceitou aquela intrusa", assegura ela.
Apesar da defesa, a marquesa da vida real possuía um caráter discutível. Diz-se que, numa crise de ciúmes, mandou matar a própria irmã (a irmã de Domitilia, Maria Benedita, interpretada na minissérie por Beth Goulart, também não resistiu aos galanteios de Pedro I). "Ela às vezes fazia monstruosidades", admite Maitê.
"Mas sua ausência de culpa era admirável. Eu também quero caminhar nesse sentido."
Após a morte de Leopoldina, Domitilia foi abandonada pelo imperador, que contratou casamento com a italiana dona Amélia, duquesa de Leuchtenberg. A marquesa voltou para São Paulo, casou-se com o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar e teve mais seis filhos. Morreu aos 70 anos e, se não ganhou o respeito dos historíadores, conquistou, pelo menos, a simpatia de Maitê: "Eu gosto dela."