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Nas asas de Maitê

Istoé Gente – Ago/2013

No palco, nas páginas de seu livro, na internet ou na tevê, Maitê Proença voa longe. A atriz, que estreou sua peça em São Paulo em pleno junho efervescente, diz que queria estar nas ruas em sintonia com o despertar das multidões. Ela fala sobre a vida, o envelhecimento e seus desejos não realizados, como dar a volta ao mundo num veleiro.

Por Marina Rossi / Fotos Pedro Dias / Ag IstoÉ
Styling Sator Endo / Beleza Renner Souza (ABá MGT )

A uma hora de subir no palco, Maitê Proença entra na dança. "Eu não tinha ritual nenhum, mas agora são vários", diz a atriz. Ela numera: "Dançamos ao som de Raul Seixas e Elza Soares, e depois passamos para músicas da umbanda." O rito inclui certo misticismo como "soprar umas bandeirinhas budistas" e rezar um mantra tibetano, "onde ninguém sabe o que está falando, mas é algo indispensável". Depois, vêm os procedimentos de ordem prática: "Me encho de gelo. Tenho um ombro e um joelho ruins." Quando as luzes se apagam, a voz de Maitê muda. O olhar também. É como se, com o xale que a atriz joga sobre os ombros, lhe caísse um peso de mais 30 anos.

Ela está em cartaz em São Paulo com a peça À Beira do Abismo me Cresceram Asas, escrita e dirigida por ela mesma. Maitê interpreta Terezinha, de 86 anos. Ao lado da amiga de asilo, ela desenrola histórias sobre a vida, o tempo e a morte. "A velhice não é para os covardes", diz sua personagem.

Aos 55 anos, a atriz, escritora e diretora Maitê Proença Gallo vive como se a vida, essa sim, não fosse para os covardes. E parece ter o tempo como seu aliado. "Todos os dias penso em fazer coisas que nunca fiz. Fico animadíssima com as possibilidades", conta Maitê. Ela também acaba de lançar o livro É Duro Ser Cabra na Etiópia, "assim mesmo, nonsense", resume.

Nesta entrevista, a atriz pediu para responder às perguntas por e-mail. Olhando suas múltiplas facetas, é fácil entender o porquê. A internet tem sido importante para a realização de projetos. Ela mantém um site, um blog, uma página no Facebook e seu livro foi criado a partir de um portal, com conteúdo colaborativo. Mas Maitê não é hiperconectada. "Reconheço os benefícios, mas eu mesma não gosto da internet, ela me aflige e dispersa", diz. Por e-mail.

Veloz na realização de projetos, Maitê é discreta. Seus profundos olhos azuis são sempre focados num ponto que não sabemos exatamente qual é. Mas ela certamente sabe. Anda com uma postura de quem ainda tem um longo caminho para trilhar e é direta. "Sou aquariana, não fico fazendo joguinhos", disse certa vez. Na vida real, Maitê não representa.

"a escrita Vasculhou meus porões, trouxe à tona uma maitê mais verdadeira e melhorou a atriz que vivia um pouco amedrontada e comportada dentro de mim"

Gente – Você já disse que sua avó não estava pronta para a morte aos 103 anos. Como é estar pronta para a vida na velhice?

Maitê – Essa pergunta pode ser mais bem respondida por Bibi Ferreira, Fernanda Montenegro, Niemeyer, Chico, Caetano, o Papa Francisco. Essa gente certamente tem a chave. A avó que você citou aos 100 anos se indignava com a ideia do fim, tinha um grande apego à vida, imenso desejo de trocar experiências, contar casos e piadas, de ler, tomar sorvete, falar francês, tudo a encantava. O que destrói é colocar o chinelão e ficar na frente da tevê invejando a vida dos outros e achando que a "alegria é uma grande injustiça mal distribuída", como diz Valdina, a velha da minha peça. Mas isso serve para qualquer idade.

Gente – Como lida com o envelhecimento da beleza?

Maitê – Gostaria que a beleza durasse para sempre. Mas seria uma luta inglória, então trato de acentuar outras características que irão comigo até o túmulo.

Gente – Até que ponto ter beleza ajuda a envelhecer com mais energia?

Maitê – Eu não tenho o distanciamento necessário para responder honestamente. Em geral, quando olho no espelho, reparo no que não está bom. O que está em ordem não me chama a atenção. Passo meus dias estudando e trabalhando. Tento me alimentar bem, no sentido da saúde física, mas, sobretudo, buscando algo que me estimule os sentidos; a comida deve ser deliciosa e lindamente apresentada. O espírito fica alegre quando se come e se bebe dignamente. Difícil para um artista produzir algo que preste depois de tomar uma sopinha insossa. O horizonte, uma cachoeira, o mar limpo, o exercício, a música e a dança também alegram. Então, sim, a beleza gera muita energia.

Gente – O que a torna feliz hoje? O que a faz sentir-se viva?

Maitê – Eu escrevi mais uma peça, que, desta vez, também dirigi ao lado de Clarice Niskier e em que divido o palco com a Clarisse Derzié. O espetáculo dura uma hora e quinze minutos. Quando começamos a encená-la, no Rio, ela demorava três horas para passar. Agora, depois de cinco meses viajando, e tendo encontrado o caminho certo, dura três minutos. O prazer de atuar no meu melhor e de dizer coisas que me parecem relevantes faz brotar tanta felicidade que o tempo se relativiza e passa num átimo. Sentar à mesa e dividir uma refeição com minha filha ou um amigo querido também me alegra muito. Dormir na hora certa e acordar cedo me deixa alegríssima. Assistir a um documentário genial, uma série, um filme, nadar no mar... a lista é longa.

Gente – Sobre o livro que você acabou de lançar, como foi a experiência de utilizar a internet como ferramenta?

Maitê – Criei um site para recepção do material. Inventei categorias classificatórias e outras em que dava notas a cada texto pré-aprovado. Chegaram mais de dois mil textos até eu fechar as porteiras. Alguns não respeitavam as regras e caíam numa espécie de lixeira. Eu lia estes também porque muita coisa boa foi parar ali. Escrevia para a pessoa e pedia que se adequasse e reencaminhasse o material. Editei e submeti ao autor desconhecido para que aprovasse e seguisse naquela linha, evitando vulgaridades desnecessárias. As pessoas confundem palavrão com humor. Podia tudo, até escatologia, contanto que fosse genial. É um livro de humor, e muitas vezes essa condição esbarrou em terreno perigoso. Foi mais complexo do que eu supus, mas saiu. E virou um livro com uma pegada de arte, graficamente excitante. Foram três anos. Quem lê se surpreende e adora. Além da participação inestimável de Carlos Heitor Cony, Agualusa, Mario Prata, Jorge Forbes e Tatiana Levy, foi delicioso dar visibilidade a muita gente de talento.

Gente – Quanto a internet a mobiliza?

Maitê – Reconheço seus benefícios, mas eu mesma não gosto da internet, ela me aflige e dispersa.

Gente – Por quê?

Maitê – A troca de e-mails ocupa uma imensidão de tempo que poderia ser usado para funções muito mais criativas. A internet, para uma pessoa de interesses diversificados, como são os meus, pode ser um perigo. Em vez de ajudar a aprofundar, pode levar a pessoa a se perder nas marolinhas superficiais que conectam um assunto ao outro.

Gente – As redes sociais têm sido vistas como a glória da coletividade e a tragédia da privacidade. O que tem pensado a respeito?

Maitê – Todo mundo concorda que há um lado benéfico que é o da democratização da informação. Mas há que se criar uma ética para o comportamento das pessoas na web. Ela é também o paraíso dos covardes. Aquele sujeito que nunca levantou a mão na sala de aula, recalcado e de má índole, hoje pode caluniar e injuriar, causando imensos danos escondido atrás de um perfil falso.

Gente – A estreia da peça coincidiu com o momento agudo das manifestações. Você até brincou que a avenida Paulista tinha virado um Muro de Berlim, dificultando os acessos. O que mais a mobilizou nos dias de protestos?

Maitê – Eu queria estar nas ruas, queria ver pela tevê, queria estar em sintonia com aquele despertar. Tive medo que ninguém fosse ao teatro. Eu mesma, se não tivesse distribuído os convites, não estaria ali. Os aeroportos estavam fechados, sem teto para voar. Entrar em São Paulo evitando as vias interrompidas pelas manifestações foi uma arte, a imprensa se atrasou, demos entrevistas minutos antes de entrar em cena. E fizemos o pior espetáculo da carreira da peça até então! Havia algo no ar que nos impediu de penetrar na história que queríamos contar. Ainda assim os convidados gostaram porque tem uma parte cômica que se sustenta mesmo quando a densidade se dilui.

"envelheço todo dia um bocadinho, com olhos bem abertos"

Terezinha e Valdina, interpretadas por Maitê e Clarisse Derzié no espetáculo À Beira do Abismo me Cresceram Asas

Gente – Que leitura faz do momento ?

Maitê – É um fenômeno mundial, faz parte de uma nova ordem no mundo que se globaliza através da web. A Primavera Árabe começou com um camelô que pôs fogo no próprio corpo porque a polícia da Tunísia disse a ele que não poderia mais vender seus produtos na praça. A foto do corpo em chamas publicada na internet foi a fagulha viral que detonou o movimento e se alastrou pelos países árabes. Aqui o que mobilizou a juventude foi o aumento das passagens. Foi surpreendente e lindo.

Gente – E esse momento inspira ou aflige?

Maitê – Inspira. E contribuiu para o trabalho. Tenho um projeto encaminhado com uma ONG internacional ligada à inclusão digital. O que aflige é ficar só na indignação, no protesto. A sociedade tem que cobrar do governo tudo que ele promete, mas não oferece, mas tem que se organizar, para encontrar suas próprias soluções.

Gente – Você esteve em alguma manifestação? Você tem uma filha jovem. Ela participou?

Maitê – Eu me manifestei escrevendo e emitindo opiniões através de meu blog e Fan Page. Maria, minha filha, esteve nas ruas e vibrou por poder gritar, por perceber que, ao contrário do que parecia, uma multidão percebia e se indignava com as injustiças da mesma forma que ela.

Gente – Você ja disse que velho tem autoridade para falar de tudo. Aos 54 anos, quanto essa maturidade precoce já lhe deu essa autoridade? Do que ainda não falou e espera falar?

Maitê – Vou envelhecendo todo dia um bocadinho. Com olhos bem abertos. À medida que as ideias forem se formulando, elas aparecerão nos meus trabalhos. Não dá para saber o que virá, mas virá.

Gente – Certa vez você disse que a vida não acontece do modo como se planeja aos 18. Diria que saiu do script de sua vida? O que gostaria de ter sido e não foi?

Maitê – Imaginei que faria algum trabalho de cunho social forte. Teria gostado de viver em comunidades indígenas ou de trabalhar na África com gente de uma cultura distinta da minha, ou que vivesse no limite da subsistência. Essa, eu imaginava, era minha vocação. Por um tempo também pensei em ser mímica, que é uma arte sem palavras. Acabei dedicada à palavra e distante de um contato íntimo com as pessoas, pela natureza do meu trabalho, que me coloca numa espécie de pedestal e me isola.

Gente – Como cantou Roberto Carlos, na canção "Outra Vez", de Isolda, qual foi o melhor dos seus planos e o pior dos enganos?

Maitê – Sem querer parecer contraditória, mas não tendo como evitar, o melhor dos meus planos foi partir para a escrita. Ela vasculhou meus porões, trouxe à tona uma Maitê mais verdadeira e, indiretamente, melhorou demais a atriz que vivia um pouco amedrontada e comportada dentro de mim. Tudo desabrochou. O pior dos enganos perdeu-se no baú dos equívocos.

Gente – Como se imagina aos 80 anos?

Maitê – Simples, relaxada, respeitosa dos seres à minha volta, interessada na evolução do mundo, seja lá como ele for.

Gente – Quais são seus novos projetos ?

Maitê – Não falo do que não fiz. Ideias eu tenho algumas, mas também estou curiosa para saber quais delas vingarão e quais despencarão na grande arca das ótimas ideias naufragadas.

Gente – Como anda o coração?

Maitê – Em paz.

Gente – O que ainda gostaria de ser?

Maitê – Todos os dias penso em fazer coisas que nunca fiz. Fico animadíssima com as possibilidades. Concebo performances de arte contemporânea, desenho captadores de água da chuva para o meu sítio, sistemas de autossustentabilidade com minhocários e composteiras que adubam hortas circulares, mudo a decoração da casa, crio viagens a pé pelo Oriente. Quero dar a volta ao mundo num veleiro, parando para morar nos lugares que mais me encantarem. Gostaria de passar uma temporada na Itália ou Inglaterra, como aluna de cursos universitários. E há livros e peças para serem escritos...

Macacão Diane Von Furstenberg,
sapato Jimmy Choo, brincos Ara Vartanian,
anel de ouro branco com diamantes negros,
Ara Vartanian, e de ouro branco, Antônio Bernardo
Coordenação de produção: Simone Blanes
Assistente de fotografia: Felipe Gabriel