Peça “À Beira do Abismo me Cresceram Asas”
Você criou o texto da peça - a exemplo do livro – partiu de depoimentos, da realidade. No momento a vida real é mais interessante que a ficção para você?
O livro não contem depoimentos mas histórias, muitas vezes, ficcionais. Ou poesia, e frases de humor e nonsense. E na peça tive com ponto de partida histórias colhidas por Fernando Duarte, um produtor de teatro, entre os velhos de sua família e outros tantos. Não aproveitei tudo porque muita coisa me pareceu lamurienta e auto-piedosa. Criei novas histórias, e, sobretudo entremeei de considerações e ideias, suspense, segredos. Mas sim, a vida é muito interessante se a gente quiser. E é dela que se tira tudo, a rigor não inventamos nada!
Você é uma das mulheres mais lindas que já andaram sobre a terra e agora está tendo que passar por este obrigação de envelhecer. A literatura mostra que isto as vezes é trágico para musas (BB, Norma Desmond...) Como você está lidando com isso agora?
Pode ser otimismo de minha parte mas quero crer que vou virar uma velhinha encantadora, conheço muitas, a gente não olha pra elas e pensa, "que decadente esta velha!", a gente pensa, "que inteligente, engraçada, divertida, moderna, interessada, curiosa, vibrante". Há uma histeria no mundo em relação ao prolongamento da juventude. É uma luta perdida. Além do mais, o entusiasmo é o que perdura e faz vibrar, não a pele lisa. Esta tem viço e encanta, mas a gente se acostuma logo e ela tem o péssimo costume de durar pouco.
Como você projeta o futuro? Tira algum exemplo para isso de algum depoimento da peça?
Valdina diz: Esconder pra que? Depois de uma vida inteira fazendo gracinha pra um mundo intransigente, agora é hora da transparência. Finalmente.
Num outro momento, Terezinha diz: As tormentas atropelam o percurso e obrigam a viver de forma mais cautelosa do que se gostaria. Mas você segue, todo dia um bocadinho, e quando menos espera caem as amarras. Um belo dia eu acordei sem medo. (...)
Mas isso é um aperitivo, o bonito mesmo eu deixo pra quem for assistir a peça, não vamos antecipar as surpresas.
A literatura e a dramaturgia tem chance de ficarem cada vez maiores na sua carreira?
É bem provável, já que, se quiser me manter ativa, devo criar os meus projetos. O que chega pra nós, nem sempre trata das questões pelas quais estamos efetivamente interessados. Só mesmo inventando por conta própria, não é mais tempo de fazer concessões bobas.
Me intriga como tem sido a resposta do público (em especial feminino) de diferentes faixas etárias. As mulheres mais jovens se reconhecem nas “meninas”? As mais velhas se “identificam”?
Post de hoje na minha Fan Page ( do Facebook):
Jacqueline Souza Oi Maitê, domingo vi, com uma amiga - A beira do abismo me cresceram asas. - Adorei, ri muito, chorei um pouco. Uma senhora sentada nos disse que o texto era mais pra ela de 80 anos do que pra nós com 40, pois acho que é mais pra nós, saímos de lá sabendo dar valor ao que mais importa desde já. Um abraço e muito mais sucesso pra ti.
O que fica de mensagem deste espetáculo?
Tudo o que está na peça é o que penso sobre o assunto mas há sempre o ponto de vista de uma, e o avesso daquilo, na visão da outra. São duas velhas muito diferentes. Longe de mim apresentar soluções ou verdades, deixo isso para o público fazer em casa. Ou não.
Temo sempre que o público fique com medo do tema. Aviso que não especulamos sobre a deterioração e a decadência, pelo contrário, falamos da vida. Quem viveu muito tem o que dizer e com autoridade para fazê-lo, o velho contem todas as idades. Além do mais, não tem mais cerimonias e outras chatices. As coisas saem na lata e isso resulta cômico. As vezes também um pouco cruel, o que não deixa de ser cômico... Oops.
Livro “É duro ser cabra na Etiópia”
Que forças te fizeram lançar esta convocação na internet em 2011? Onde você achou que isso ia chegar?
O título chegou primeiro, ao acaso, no meio de uma conversa. Pensei então em trabalhar com o elemento surpresa, com textos de gente desconhecida. Criei um site para recebê-los, e estabeleci regras para que fossem curtos e de humor. Não sabia onde isso ia dar porque o conceito que inventei era o de criar a partir de um material sobre o qual não teria qualquer domínio (a não ser o veto da própria seleção), e disso criar uma ordem também cômica, a fim de seguir minhas próprias regras.
1500 caracteres é uma forma boa para um bom texto?
Era um limite. Os textos, poemas, axiomas, aforismos, poderiam ser mais curtos, conter duas palavras - se fossem brilhantes juntas - mas nunca exceder aquele número. E minha missão foi costurá-los numa ordem que os linkasse. Intui que seria mais gostoso e possível o processo, se fossem curtos. E também que o fio da meada ficaria mais evidente, para o leitor, do que se fossem longos contos, por ex.
É duro ser escritora em Petrópolis (ou no Brasil?)
Se o escritor souber que a Maitê Proença está abrindo espaço para quem não tem acesso a grandes editoras, fica bem mais fácil.
Os bons textos selecionados seriam como grãos aparentes em meio a uma grande massa fecal e sem graça?
No princípio chegou muita coisa ruim. Através do site eu ia descartando o que não prestava e deixando à mostra o que poderia entrar na edição final. Assim foram chegando os bons autores, que talvez, por cautela, esperassem pra compreender se queriam se ver misturados naquele imbróglio. Não há outro livro do gênero, então as pessoas não entendiam onde estavam se metendo. A seleção dos textos durou mais de ano, até eu considerar que tinha material suficientemente instigante pra fabricar algo de valor.
Misturar figurões com anônimos é uma coisa muito marcante deste nosso tempo, você não concorda?
Você conhece outro livro igual ao Cabra, em que um acadêmico da ABL, ou um escritor internacionalmente premiado participa de um conjunto de textos de humor junto com principiantes, sem que isso pareça uma forçação de barra ou uma proposta condescendente e paternalista?
Uma das exigências era ser “engraçado”. Você é que fez esta curadoria?
Li sozinha (e selecionei) mais de 2000 textos. Porque além dos 1700 que seguiram as regras, havia gente que se excedia nos caracteres e era automaticamente deletada. Mas eu tinha acesso ao material todo, e lia aquilo também, porque algumas vezes o conteúdo tinha boa alma. Nestes casos eu escrevia pra pessoa pedindo que fosse mais sintética, e reenviasse o resultado.
Hoje o humorista é a profissão da moda no país. Não está tudo mundo “muito engraçadinho” ?
Sim. É bom rir. No caso deste livro, o humor nem sempre é do tipo que leva a gargalhadas, muitas vezes é uma ironia apenas. E esta, você sabe, pode cortar fundo, além de ser a forma mais eficaz de se evitar sentimentalismos, ou qualquer outra cafonice. Uso disso em minha peça também.
Esses trabalhos colaborativos podem dar certo em outras linguagens (cinema, Tv ) Porquê?
Não sei. Esses trabalhos dão trabalho. É um parto nivelar o que chega de origens tão distintas, e conseguir uma unidade. Além do mais tem que parecer que foi uma moleza para leitura resultar deliciosa. Por hora fico por conta do livro, que contem textos mas também imagens, e todo um projeto gráfico inusitado. É possível que parta para um segundo agora que peguei a manha...