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Sem Fronteiras

Revista Estilo - 08/2004
 

Por Carolina Daher

Ícone de beleza, Maitê Proença surpreende ao se deixar ver de perto. Por trás dos invejáveis olhos azuis e dos traços perfeitos há uma mulher segura, inteligente e muitíssimo bem-humorada, capaz de brincar consigo mesma

Pode-se afirmar sem medo: existem duas Maitê Proença. Ambas são lindas e ponto. Um tipo de beleza que foge dos rótulos e padrões e que está acima de qualquer contestação. Impossível ficar indiferente diante de seus imensos olhos azuis e do rosto angelical. No entanto, a moça de corpo mignon, de 1m63 e 53 quilos, carrega dentro de si duas mulheres. “São seres opostos. O primeiro acha uma futilidade essa história toda de roupa. Já o outro adora, é vaidoso. Há uma briga constante entre eles”, assume. Os conflitos também se estendem quando o assunto é beleza. “Tem uma Maitê, provavelmente a mesma que não gosta de moda, que abomina a idéia da plástica. Já a outra vive me questionando. ‘Por que não? Vai ficar se martirizando em frente ao espelho? Se está achando ruim, vai lá e puxa tudo.’ E eu fico nesse dilema, sem saber quem ouvir”, diz, rindo.

Foi com muito bom humor e um tanto afônica, por causa de uma gripe, que a atriz me recebeu em seu amplo apartamento na avenida Atlântica, endereço da high society carioca. Talvez por ironia do destino, a hippie dos anos 70, que passeou pelo mundo apenas com uma mochila nas costas, hoje, aos 44 anos, tem embaixo de sua janela a pérgula do Copacabana Palace, o cinco estrelas preferido das celebridades. Naqueles tempos em que tinha apenas “um sapato, um vestido, duas outras peças e um casaco”, Maitê viveu o que costuma definir como o ápice da liberdade. Aos 18 anos já havia passado por mais de 30 países. “Quando você está viajando, ninguém sabe nada do seu passado nem das suas pretensões, é informação zero. Experimentei todas as coisas que quis”, conta. Passou por lugares exóticos, como Irã e Afeganistão. Deste último ainda guarda no armário um vestido todo trabalhado a mão pelos berberes, os nômades do deserto. O seu estilo vem daí, ou melhor, do mundo. É influenciada pelos lugares que visita. “Se for à África vou voltar étnica e me vestirei assim durante um período. Com o passar do tempo, vou percebendo que estou fora do contexto e diminuo a dose. Entra o jeans e sobram apenas alguns elementos africanos”, diz.

De dez anos para cá, Maitê tem se aproximado do mundo fashion, e isso se deu graças a um movimento pessoal.
Lembra-se de quando abria mão de ter o seu próprio estilo para evitar desentendimentos com o parceiro, Paulo Marinho, pai de sua única filha, Maria, de 13 anos. “Era mais ‘empatricinhada’, combinava as peças. Hoje faço o contrário”, assegura. Adora as roupas da grife Ibô e dos estilistas que misturam gêneros, texturas e cores. “Mas tem que ter classe”, frisa. E leva o conceito a sério. Já a encontrei em diversos eventos desfilando seu discreto charme. Recentemente a vi na estréia da peça A Primeira Noite de um Homem. Estava de jeans Diesel e um blazer Giorgio Armani. Simples e impecável. E em uma certa noite de gala, no Theatro Municipal, ela apareceu iluminada, causando frisson com um look prateado. Essa descoberta recente da moda – “provavelmente porque não tenho mais ninguém falando o que devo usar” – tem criado situações até então inimagináveis. Outro dia se pegou fotografando produções criadas a partir de seu próprio guarda-roupa. “Me senti brincando de boneca. Coloquei as peças no chão e fui clicando. Isso ajuda quando tenho que me arrumar e estou sem tempo. Pego lá a foto número 33 e nem preciso pensar muito no que usar”, revela. Organizada? “Extremamente.” Quando cheguei para a entrevista, me surpreendi ao ser recepcionada no escritório – uma sala localizada no andar térreo de seu prédio – por sua assessora, Claudete. Fiquei ali por uns 15 minutos e vi na minha frente uma estante repleta de livros, entre eles um com o título Capas, Dona Beija, 1997. Não resisti, quis saber o que continham aqueles volumes encadernados. Claudete explicou que tudo o que é publicado na imprensa sobre a atriz é catalogado e arquivado. Quando subi ao apartamento de Maitê e começamos a nossa conversa confortavelmente sentadas em um sofá branco e com uma jarra de suco de pitanga à nossa frente, falei do quanto a sua organização havia me impressionado. “Ao longo da vida, descobri que, se não fosse assim, viveria no caos. Então resolvi ser compulsivamente organizada. Dessa forma posso pirar em coisas boas, pensar em praias paradisíacas em vez de ficar cinco horas procurando um envelope”, explica. Como na biblioteca, no armário tudo é visível, nenhuma peça por cima de outra, nada atrás de nada. As camisas brancas de um lado, as coloridas do outro. A artista conta que tem uma “deusa” que a ajuda, a Zeca. Uma vez por ano ela entra em cena e coloca tudo em seu devido lugar. Depois Maitê só mantém a arrumação.

Essa mania, explica a atriz, vem do fato de ela ter vivido muitos anos sem endereço fixo. Ia para onde o vento, ou melhor, a curiosidade a levasse. Por um lado isso abriu horizontes e lhe deu uma cultura invejável. Mas, por outro, a deixou sem raízes. Nem São Paulo, cidade onde nasceu, nem Campinas, onde passou parte da vida, e nem mesmo o Rio de Janeiro lhe dão a sensação de estar em casa. Às vezes pensa em locais onde gostaria de passar a vida inteira, destinos tão diferentes como uma casinha no meio do mato, um bangalô à beira-mar ou uma villa em Florença. “Acho que sou uma sonhadora que está sempre de passagem”, confessa.

Foi esse espírito aventureiro que carregou Maitê para o mundo artístico. Morando na França, veio ao Brasil visitar o pai, Eduardo Gallo, que estava doente. Enquanto esperava a sua recuperação, começou a fazer teatro com o diretor Antunes Filho. Daí para a televisão foi um piscar de olhos. Estreou na novela Dinheiro Vivo, em 1979, na extinta TV Tupi. Encarou apenas como uma experiência, pois tinha certeza de que voltaria a estudar na Sorbonne.
Ilusão. Ficou. Não voltou nem para concluir alguns cursos em que estava matriculada, como o de arquitetura do século XVII. “Caí de pára-quedas nesse meio. E foi muito difícil entender o código. Sinceramente, não me sentia nem um pouco integrada ao gueto Ipanema nem à tribo global”, admite ela. Passou por algumas novelas na Globo, mas só começou a se sentir à vontade nos sets ao protagonizar a novela Dona Beija, na extinta Rede Manchete. Ali se consagrou como grande atriz e ganhou status de símbolo sexual. “Nunca tinha imaginado essa carreira cheia de glamour. Isso não me seduzia”, completa. Maitê sabe que a sua beleza foi um componente importante para que chegasse aonde está. “Se não fosse bonita, talvez tivesse ido trabalhar em outra área, quem sabe como assistente social ou na ONU. E muito possivelmente teria sido mais feliz”, arrisca. No entanto, optou por ficar e fazer o melhor. Virou estrela e diverte o Brasil inteiro na pele da decadente Verinha, em Da Cor do Pecado. “A Maitê é uma personalidade fantástica. O fato de ser uma mulher bonita acabou escondendo seus muitos outros talentos. É uma pena que grande parte do público não saiba o quanto ela é inteligente. Hoje é uma cronista de primeira”, afirma Gracindo Jr., que a dirigiu na peça Com a Pulga Atrás da Orelha, em 2003.
B Maitê soube transformar a maturidade em sua aliada. Prepara-se para lançar em breve um livro de crônicas e continua linda. Ela se cuida para isso: faz exercícios quatro vezes por semana. Durante cinco anos sua alimentação foi radicalmente macrobiótica. “Só comia o pão que eu mesma fazia a partir dos grãos que moía para preparar o meu próprio trigo. Era quase um monge budista”, diverte-se. Hoje já não é mais assim, mas continua se alimentando bem. Na despensa, enlatados não entram e até o açúcar é orgânico. “Quando me olho no espelho, claro que não gosto de ver a ação do tempo, mas é uma fatalidade e não vou me permitir ser infeliz por causa disso”, avalia. Quer evitar ao máximo a plástica – por enquanto diminuiu apenas os seios –, mas é “de repentes e aquariana”, justifica. “Posso lhe jurar de pés juntos que estou em paz comigo e com a minha imagem, que o importante é ser feliz e todos esses clichês. No entanto, amanhã você pode me encontrar roxa porque resolvi passar por uma reforma geral”, confessa. Entrou nos 40 sorrindo. “Percebi uma grande mudança no meu corpo, mas sinto-me satisfeita com a Maitê que eu criei a partir das minhas experiências”, diz. “Aos 40 você tem mais tolerância e uma vida inteira para consertar o que está errado. A minha avó morreu com 113 anos, então eu tenho aí pela frente pelo menos mais 60.” Se depender da opinião dos amigos, a atriz não deve mudar nada. “Ela é uma grande mulher, sabe ser criança, companheira. E é uma camaleoa. Quando estivemos na África, me surpreendi ao ver aquela lady sofisticada se transformar em uma quase nativa”, diz o ex-namorado Victor Fasano. Enquanto não decide se vai se render ao bisturi ou não, seu ritual de beleza consiste em usar cremes feitos por um alquimista de Goiás com plantas da selva Amazônica e do cerrado. Não fala o nome do mago nem sob tortura. É segredo de estado. Maquiagem, adora a da marca Shu Uemura. “Sempre que vou a Paris ‘deixo as minhas calças’ e recebo em troca duas sombras, um rimelzinho e um pincel para o blush. Pago uma pequena fortuna, que nem tenho coragem de falar, mas volto feliz da vida para casa”, brinca.

Maitê, que sempre encarou tudo sem medo, só tenta fugir do posto de celebridade, pois acredita que a situação de estrela é muito solitária. Claro que ser famoso abre portas, ajuda a conquistar os melhores lugares nos restaurantes, mas os privilégios também isolam. “Você fica no Olimpo, enquanto o resto da humanidade passa lá embaixo”, dispara. E nada melhor do que fazer parte da história. “Se estiver na festa da princesa da Holanda ou no botequim da esquina vou aproveitar com a mesma intensidade. Sabe por quê? Porque tem gente e gente é interessante em qualquer parte do universo.” Palavra de quem fez do mundo a sua casa.