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O que presta vem da alma. Caso contrário, é tese de doutorado

Jornal O Estado de São Paulo - Agosto/2010
 

Maitê Proença fala de Stela, de Passione, da carreira e de novos projetos.

Por Sonia Racy

A personagem Stela Gouveia que Maitê Proença vem encarnando na novela Passione, tem suscitado discussões. Casada, infeliz, se entrega a aventuras e mentiras no seu dia a dia. No primeiro momento, Stela era aplaudida, personificando uma forma de "vingança" feminina. Hoje não mais, segundo constata a própria atriz. "Recebo elogios pela atuação, não mais pelo personagem." Quem conhece Maitê sabe que ela pouco tem em comum com Stela. Direta, avessa a mentiras, às vezes dura demais, a atriz tem uma inteligência singular aliada a uma maneira intensa de viver. Não gosta de meias verdades, meias intenções, enfim, os caminhos do meio que inevitavelmente dão em cima do muro. Entre gravações da novela e novos projetos, ela dedicou alguns minutos à coluna. Aqui vão os principais trechos da conversa:

Você atua escreve e dirige. O que mais gostaria de fazer?

Gostaria de ser cantora de MPB ou de rock. Até crooner de boate quebrava um galho.
Entre escrever e atuar, gosto de poder migrar de um para o outro, são prazeres bem distintos. A escrita é mais íntima e protegida. A gente pode cavar fundo longe de olhares alheios, ao menos durante o processo. Já atuar é uma violência, expõe-se tudo que todos trancam a sete chaves, enquanto o público fica ali assistindo você se rasgar. Mas é uma maravilha quando sai bonito. Só quem experimenta sabe.

Como identificou seu talento para a escrita?

Escrevendo e reescrevendo. O tempo e o exercício vão depurando a técnica, tenho uma vida pela frente…

Onde você melhoraria seus textos? Usa alguma técnica?

Faria mais pesquisas para rechear os assuntos com curiosidades, todo tipo de informações. Tenho por hábito ler em voz alta até o texto me soar bem. Quando é para teatro, por exemplo, aquilo tem que poder ser falado, tem que parecer provável, sem ficar comum. O texto precisa fluir como se fosse óbvio. Sem ser.

Já pensou no seu próximo projeto literário?

Não posso contar. Não tenho certeza de que será realizado, mas há um bocado de ideias rondando. Quando faço caminhadas pela praia elas brotam com tudo e muitas se perdem.

Sua peça As Meninas ganhou vários prêmios. Você colocou sua alma nessa história. Estaria aí o motivo do sucesso?

Tudo que presta vem da alma. Caso contrário, é tese de doutorado ou matéria jornalística. De forma mais ou menos velada a gente escreve sobre si mesma.

Para atuar, você se despe do ego, dos pensamentos, das raízes ou de outros?

Da vergonha na cara. Aquilo é um despudor total. O ator se coloca todo naquilo que, às vezes, abominaria na vida. Há imensa generosidade nisso, acho muito bonito ser ator.

As melhores atrizes são as que mais conseguem esquecer de si mesmas?

Talvez sejam as que se comovem mais profundamente com o drama humano. E aí então se despojam de si para vivenciar a história do outro.

Se arrepende de ter feito ou de ter recusado algum papel?

Se soubesse o que sei hoje quando tinha 20 anos teria feito outras escolhas em muitas ocasiões, mas esse é um pensamento que não leva a lugar algum. As escolhas que fiz moldaram esta que sou hoje. Tá tudo certo.

Quais são seus critérios para aceitar um papel?

Quando é oferecido pelo Silvio de Abreu, por exemplo, aceito de olhos fechados. De resto, tem que bater em algum lugar intuitivo que aprecia aquilo ou não sabe-se lá o motivo. Mas a gente deve contribuir com boas histórias, elas devem ser contadas mesmo se o personagem for pequeno.

A Regina Duarte declarou recentemente que, por causa da idade, tem recebido menos convites. Já passou por algo semelhante? Teme que isso possa acontecer com você um dia?

Já passei por isso, mas aproveitei para me desenvolver em outras áreas. Não tenho medo porque sou do tipo que cresce na adversidade. Me dê um problema que eu crio asas. Cansa a beça isso, não recomendo (risos).

O que a sua personagem Stela, de Passione, tem de parecido e diferente de você?

Tem meu gestual e a ausência de vulgaridade com que se porta em situações pouco louváveis. De diferente, a forma de pensar e as atitudes que toma. Eu sou aquariana, direta, não sou da mentira e dos joguinhos.

Como ela, você sustentaria um relacionamento infeliz para manter as aparências?

Eu destruiria a pessoa antes. Meu aborrecimento apareceria a cada instante, e a pessoa, coitada, me largaria por conta de eu ter tornado o relacionamento insuportável.

O que o homem mais jovem tem de atraente para você?

O avesso do blasé. Um entusiasmo por aquilo que o cerca.

Você é abordada em público por conta da Stela Gouveia? Como é a reação das pessoas?

Quando ela saía à caça, as pessoas aplaudiam e queriam mais. Agora a reação é controversa. Elogiam a interpretação, mas não mais a Stela.

Já decidiu seu voto? O que acha das atuais opções para a Presidência da República?

Gosto da Marina e do Serra.

O feminismo já era ou a mulher ainda precisa lutar contra as discriminações da sociedade?

A mulher ainda é tratada como escrava na África, Ásia, países árabes, na maior parte do planeta. Só no ocidente houve progressos, muitos, mas ainda há discriminação. Quem sabe a própria venha a calhar nesse momento de eleições, atiçando os machos selvagens e nos salvando da Dilma?

Como você decidiu fazer documentário sobre os brasileiros que estão no Haiti?
Em que pé está o projeto?

Parado. As imagens foram exibidas em programas de TV e com isso arrecadamos dinheiro para os Expedicionários da Saúde, uma ONG que auxilio. Teria que voltar lá pra filmar muito mais, se quisesse fazer algo bacana que complementasse o material que temos. Precisaria de tempo e de apoio financeiro. Escolhemos usar o dinheiro que arrecadamos na assistência direta às vítimas do terremoto.

Você que é bonita, bem-sucedida, admirada, o que mais almeja da vida?

Adoraria saber dançar lindamente, cantar sem vergonha, pintar quadros que depois eu gostasse de olhar, dar a volta ao mundo num veleiro parando sempre que desse vontade. Gostaria de plantar 2.000 árvores no meu sítio, fazer faculdade de história na Itália, ler todos os livros que se enfileiram na minha estante, aprender a cozinhar pra caramba e muito, muito, mas muito mais.

Como é sua rotina para cuidar da beleza?

Me alimento bem, uso filtro solar religiosamente, tomo pouco sol, faço pilates, esteira e um pouquinho de musculação - porque é muito chato. Invisto em coisas que me dão prazer, como viajar e reformar a casa para que fique linda, porque acredito que dessas alegrias vem a saúde, sem a qual não há beleza.

Já fez ou pensa em fazer cirurgia plásticas?

Farei quando estiver muito incomodada com alguma parte de mim que, se esticada, não me roube a dignidade.

Posaria nua novamente?

Olha, vou te lembrar o que os franceses aconselham: "Ne pas dire toujours ni jamais".