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Entrevistão

01/2007
 

1. Você se revelou, principalmente para o público que só a conhecia da televisão, como uma cronista de talento, nesse tempo publicou um livro com as melhores crônicas, e agora a peça. Amadurecer só lhe trouxe coisas positivas, sob o ponto de vista profissional?

Estou num momento da vida em que a maior parte das pessoas vai se acomodando. E eu resolvi me reinventar. Criei uma profissão nova, uma atividade diferente daquela q vinha praticando até agora. As vendas só crescem desde o lançamento. Isso não é comum. Em Portugal onde ele foi lançado há apenas um mês, tb ficou um bom tempo em 4° lugar nas vendas de todo país. Agora tem a peça de teatro q eu escrevi porque procurava e não encontrava, algo que fosse muito engraçado mas que não fosse uma bobagem. A peça é o melhor dos dois mundos, une a atriz com a escritora numa só coisa. É um momento de muita fertilidade. Estou me sentindo muito viva. As idéias me acordam de noite, esse é o único inconveniente.

2. E sob o aspecto pessoal, o que o fato de ser uma mulher na casa dos 40 mudou ou melhorou em você?

Estou mais confortável dentro da minha pele hoje do que jamais estive. Existe mais verdade nessa Maitê doque em qq outra. Sempre busquei a autenticidade, mas mais jóvem a gente busca e não encontra, ou encontra enviesada. Há 10 anos a verdade as vezes saía meio agressiva, ou então tímida com medo de se expressar, falando baixinho de vergonha. Agora não, tudo é mais franco, mais solto e mais gostoso. É claro que a gente olha no espelho e vê umas coisas q não precisavam estar ali, mas, fazer o q? não se pode ter tudo!

3. Por que, na sua opinião, muitas mulheres (e homens) não lidam bem com a idéia de envelhecer? Tem a ver com a tal ditadura da beleza?

O país está muito bobo, medíocre. As pessoa valorizam tudo que não interessa. Querem uma casa ao inves de uma lar, uma posição ao invés de respeito, milagres artificias ao inves da saúde. Intimamente as pessoas sentem q estão vazias . Aí como não tem nada dentro elas se preocupam excessivamente com o de fora numa luta inglória pra manter o q está fadado a perder o glamour. Nada é mais sedutor do q a verdade. Uma velhinha autentica, única, tem muito mais graça que uma mulher de 40 q acha que tem 18.

4. Qual a melhor maneira de se amadurecer de forma saudável?

Rindo, não se levando muito a sério, cultivando os amigos, a família, o afeto. Uma alimentação bacana tb ajuda muito. Exercícios, sempre ao ar livre, o contato com a natureza rejuvenesce a gente.

5. O que é a beleza para você? E que influência ou importância o fato de ser bela teve em sua vida, tanto pelo lado pessoal quanto profissional?

A beleza abre muitas portas. Todo mundo gosta de ver um quadro bonito, um flor, um cavalo e uma mulher linda. Mas beleza não é qualidade, no máximo que tem que ser aplaudido é papai e mamãe q forneceram a genética. Qualidade é aquilo que se adquire com esforço próprio: cultura, bondade, simpatia. E são essas as características que devem te manter no lugar depois q as portas se abriram.

6. Você posaria novamente nua, hoje, para uma revista?

Me chamaram recentemente e eu disse não.

7. O que você acha que intimida mais o homem em uma mulher, a beleza ou a inteligência (considerando que você concilia ambas as qualidades)?

Acho que associação dos dois assusta. Mas se não assustar, encanta.

8. Depois de sucesso como atriz de teatro, cinema e televisão, por que, nos últimos anos, esse envolvimento mais íntimo com a literatura?

Um ator está sempre interpretando o texto de alguém, os pensamentos, as considerações sobre o mundo de outra pessoa, que as vezes escreveu aquilo há 100 anos, ou 2000 como no caso de 1 tragédia grega. Então chegou uma hora pra mim que eu quis estreitar essa ponte entre mim e um público que já existe e que muitas vezes acha que eu sou uma pessoa que eu não sou. O público conhece o ator pelos personagens que marcaram, por entrevistas que ele deu, por manchetes sensacionalistas, por notinhas soltas na imprensa marrom. E desses retalhos ele faz uma pessoa. Mas aquela pessoa não sou eu. Então eu vim me apresentar. Além disso,sou muito curiosa, nasci assim, fui uma criança perguntadeira, queria saber de tudo. Quebrei 17 ossos no meu corpo em momentos diferentes de tanto me meter em situações que não conhecia, pra ver como era. Então acho que por uma questão de sobrevivência, pra me proteger de mim, pq eu sou perigosa (ano passado quebrei o punho, mesmo depois de velha... o negócio não passa), eu agora parti pra escrita que é uma aventura tb, mas ao menos me obriga a ficar trancada na frente de um computador. Agora posso entrar por vários assuntos, como gosto, e sem correr tantos riscos. A escrita exige que se cave fundo e como resultado, vou aprendendo coisas e passando elas adiante.

9. No caso de "Achadas & Perdidas", como é a sensação de pela primeira vez interpretar histórias que você escreveu e que, por isso, têm a ver com suas próprias experiências?

Eu escrevi fazendo. Como sou atriz eu falava o texto alto pra ver se estava bom de dizer. Parecia uma louca gritando na frente do computador. E agora eu tenho que me segurar pra não me meter no trabalho de diretor Roberto Talma e da Clarisse Derziê Luz, minha amiga e atriz que faz a peça comigo. Mas é muito bom de fazer e sentir que tomou conta da platéia. A peça tem 1hr e vinte minutos. Com a platéia ela fica com 1hr e 35m. São 15 minutos q se somaram por causa das risadas do público. Cronometramos isso em São Luiz do Maranhão. Quinze minutos de reação espontânea da platéia! No final, o público pula da cadeira pra bater palmas de pé e gritar bravos! Nossas últimas apresentações têm sido assim. Uma comédia vai melhorando com a presença do público, a gente vai afinando a graça dos personagens e das histórias. Somos duas atrizes fazendo 21 personagens e seis histórias diferentes. Há muitas trocas de roupa, de cenário, e a peça não pára nunca, é muito movimentada. Emagreci 2 quilos desde o início da temporada. Estamos na estrada há 4 meses, tendo feito o interior de S Paulo e uma recente turnê pelo nordeste.

10. Afinal, escrever é melhor que atuar? Qual dessas duas formas artísticas mais têm atraído você ultimamente?

A escrita é a novidade e como tem dado certo, compensa a trabalheira. Mas sinto falta de atuar, então juntei as duas funções numa só coisa, q é a peça, meu xodó do momento. É muito bom divertir as pessoas com coisas que saíram todas de dentro de mim. O público imagina que sou séríssima pelos personagens da tv, e se encontra com uma palhaça cheia de assuntos.

11. Quais são seus próximos projetos nesses dois campos, literatura e televisão, cinema?

Tenho mais idéias do q tempo pra efetivá-las. Fiz coisa demais este ano e preciso de uma pausa. Lancei um livro de crônicas no Brasil e Portugal. Fiz 10 capítulos de uma novela, que por serem os primeiros, tomaram 4 meses do ano. Fiz um filme que será lançado em 2006, Onde Andará Dulce Veiga, em q interpreto o papel título, Filmamos em Ribeirão, SP e Amazonas. E ainda me meti a fazer algo que não tinha idéia nem por onde começar, que foi escrever Achadas e Perdidas. Deu certo mas deu trabalho! Agora, depois de uma sensacional turnê pelo nordeste, com casas lotadas de alegria e risos, chegamos ao Rio de Janeiro. No meio de tudo, reformei a casa. Estou sonhando com sombra e água fresca, mas pelo visto ainda vou ter que esperar um pouco.

12. Que sonhos você ainda pretende realizar?

Sou aquariana, sonho alto! Quero aprender a velejar e sair num veleiro em torno do mundo . Quero tirar dois anos pra estudar e me fixar em dois ou tres países distantes, tenho um livro pra escrever que está dentro da cabeça. Quero plantar 3000 árvores exóticas no meu sítio. A lista é longa, mas tudo tem que ser conciliado com minhas responsabilidades como mãe. Maria será sempre minha prioridade.

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1) Apesar da infância e juventude atípicas para os padrões brasileiros da época, você tem boas recordações daquele tempo?

- As melhores. Minha família era unida, viajávamos todas as férias pra Ubatuba, Punta Del Este, Argentina. Estudávamos, eu e meu irmão menor numa escola Americana que era uma antiga fazenda cheia de jabuticabeiras, mangueiras, com muito verde e muito espaço. De volta da escola, eu brincava na rua, com um bando de moleques. Voltava pra casa de noite cheia de hematomas. Tinha até um campo de futebol bem perto de casa. E nos finais de semana íamos ao clube andar a cavalo, jogar tênis, nadar. Era tudo de bom.

2) Uma atividade que sempre teve grande importância na sua vida desde muito cedo foram as viagens para o exterior. Você acha que "a estrada" é uma escola de vida? Você recomendaria o mesmo para jovens que ainda não "se descobriram como pessoas"?

-A estrada descortina o universo. Vc começa a perceber que o que é proibido aqui lá é considerado bonito e vice-versa. Caem os preconceitos, as verdades absolutas, e tudo aquilo que só serve pra amesquinhar a vida. Depois com a cabeça arejada por tudo que se viu, fica muito mais interessante olhar o mundo, até mesmo esse aqui de casa.

3) Você diria que seguir a carreira de atriz foi uma coincidência devido ao contato com o diretor Antunes Filho ou eventualmente trilharia este caminho?

Foi uma coincidência sem dúvida. Eu poderia ter sido psicanalista, assistente social pra ONU, poderia estar vivendo com uma tribo de índios no Xingu, mil coisas...

4) Em 1979, após ter assinado seu primeiro contrato com a Globo, você sofreu um grave acidente de carro que demandou muito tempo de recuperação. O que passava pela sua cabeça na época da convalescença? Chegou a pensar em parar de atuar?

-Pensava em ficar boa logo pq é muito chato passar meses na cama, aí andar de cadeira de rodas, muletas, bengala e depois de um ano e duas cirurgias, ainda estar mancando. Mas eu arrumei um grande amor nesse período que aqueceu minha vida. Quando fiquei boa, voltei a trabalhar mas perdi o grande amor.

5) Quando começou a trabalhar na Globo, você encontrou um ambiente diferente do que imaginava? Manteve contato com o teatro nesta época?

- Nem nos meus sonhos mais remotos eu imaginava o ambiente que encontrei dentro da tv Globo. Pra pessoa que eu era, da onde vinha, era mais fácil me entrosar no Paquistão do que dentro daquela fogueira de vaidades! Com o tempo peguei a manha, mas foi suado.

6) A personagem "Dona Beija" foi sucesso de público e crítica em 1986 e, com ela, você começava a se destacar também como símbolo sexual. Qual a importância deste trabalho para você?

- A Dona Beija era o símbolo sexual , não a Maitê que nunca buscou isso, apenas deixou que acontecesse. Dona Beija era tb uma mulher de personalidade forte, que amava mas mandava matar o seu amor, era libertina mas muito moralista com as filhas, era odiada pelas mulheres da sociedade em que vivia, mas tinha como melhor amiga uma escrava. Era uma pessoa cheia de contradições como toada criatura interessante. E foi através dela que eu resolvi realmente me firmar como atriz. Até então eu tinha sérias dúvidas.

7) Com relação à sua filha Maria, os diversos compromissos profissionais nesses dezesseis anos atrapalharam sua relação com ela ou sempre conseguiu arranjar tempo para curti-la?

Maria sempre, em todos os momentos, foi a minha prioridade. Nunca tirei isso do horizonte. Deixei de fazer tudo que poderia ferir nossa relação, e ao mesmo tempo, levei-a comigo sempre que não atrapalhasse o andamento do trabalho. Assim, dando às coisas sua devida importância, não foi nada difícil conciliar funções.

8) Você acredita que a televisão, atualmente, forma, informa ou emburrece?

Todos os três. Cabe ao expectador manter-se conciente disso e escolher o que vai ver.

9) Como você vê o cinema nacional hoje, com crescente número de produções?

Estamos formando um público para o cinema nacional, que antes tinha preconceito de nossas produções. Nossos filmes estão cada vez melhores, contando boas histórias, de uma forma que o público consiga apreciar. Temos que tomar cuidado agora pra não fazer tv no cinema. Cada arte tem sua linguagem e as diferenças devem ser observadas por quem faz.

10) Você ainda hoje é considerada uma mulher bonita e sensual. Como consegue manter a boa forma e a jovialidade? Que considerações tem a fazer sobre a ditadura da beleza da sociedade atual?

Mantenho a forma fazendo exercícios e me alimentando bem . Não faço regimes pra emagrecer, minha comida é deliciosa mas bem equilibrada. Tb tento não me levar muito a sério, nada enfeia mais doque o mau humor. Quanto a ditadura da beleza, do jeito q acontece hj, é de uma futilidade sem fim, e leva as pessoas num caminho inglório. Não há como se manter linda e viçosa até o fim. E seria mais elegante as pessoas perceberem isso e investirem em outros predicados, antes de se transformarem em aberrações siliconadas.

11) O que seu novo público, este da autora de teatro, representa para você?

Levar o público ao teatro da forma como vem acontecendo com Achadas e Perdidas é uma delícia. Acho que as pessoas saem muito surpreendidas. Elas recebem mais do que esperavam ver. É diversão, é simples, mas é tb pra emocionar e pensar.

12) Com um currículo cheio de trabalhos na TV, teatro, cinema e, recentemente, literatura, o que você espera do futuro?

- Que sobre tempo pra eu deitar na rede e sonhar.

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Em sua estréia como escritora, a atriz Maitê Proença apresenta textos que surpreendem pela diversidade, qualidade e bom humor

Maitê Proença é assim como suas crônicas: divertida, inteligente, bem-elaborada. Uma entrevista com ela mais parece um bate-papo, daqueles em que se fala de tudo e se dá muita risada ? tal e qual seus textos. E quando se tem a liberdade de tratar vários assuntos, foca-se no que interessa. Não vai se falar aqui, portanto, de sua vida privada. O que achamos proveitoso descobrir é como se formou essa promissora escritora que chegou de mansinho ao conhecimento de todos e que lança hoje seu primeiro livro.

"Entre Ossos e a Escrita" reúne crônicas publicadas na revista "Época", entre 2003 e 2004. São 50 textos que surpreendem em vários aspectos: a diversidade, a qualidade e o bom humor. "O bom humor é para driblar a vida porque sem ele a coisa não anda", avisa Maitê, por telefone, de sua casa no Rio de Janeiro. Os temas, ela diz, vêm da sua observação do mundo. A qualidade de sua escrita, bem, isso Maitê vai revelando aos poucos, ao longo da entrevista.

Ela afirma, por exemplo que seu contato com os clássicos se deu ainda muito nova, instigada pelos pais ? O procurador da Justiça Carlos Eduardo Gallo e a professora de filosofia Margot Proença. "Eu venho de uma família de intelectuais, de gente que escrevia, gente que usava as palavras. Na minha casa não se usava "transar" e "legal" pra tudo, há inúmeros verbos e 800 palavras para fazer um comentário apreciativo sobre um assunto", conta.

Até ser convidada para publicar seus textos na revista, Maitê escrevia muitas e muitas cartas ? impressões sobre as várias viagens que fez pelo mundo para aqueles que ficavam ou bilhetinhos amorosos para a filha, Maria, 14. "Sempre tive e ainda tenho uma relação epistolar com a escrita". Para ela, só vale a pena escrever se for para dar uma nova forma ao que quer expressar. Tenho que sentir prazer, ainda que haja sofrimento durante o processo. "Ou arranjo uma forma única de me expressar dentro da escrita e faço isso com a responsabilidade e a beleza que a literatura merece ou então não faço".

O respeito com que trata a literatura quase a fez desistir de publicar "Entre Ossos e a Escrita". Perfeccionista, começou a reescrever todas as crônicas e chegou a pedir ao seu editor que desistisse da idéia do livro. "Disse pra ele que tinha certeza que, quando relesse este livro inteiro daqui a cinco anos, iria achar uma belíssima porcaria. Ele falou: "Pára de reescrever e manda como está, eu vou dizer se está bom ou não", conta ela, agradecendo por ele a ter imobilizado, já que adorou o resultado final.

Agora é preciso convencer Maitê que é necessário publicar o romance que tem pronto, do qual nos deixa conhecer um único capítulo em "Entre Ossos e a Escrita". Intitulado "Do Livro que Talvez Jamais Publique", é um belíssimo texto sobre uma garota narrando o velório da mãe de sua melhor amiga. Maitê diz que "implicou" com o livro, que escreveu num momento em que sua vida estava truncada, enfim, que não se reconhece mais naquela escrita. Ok. A boa notícia é que ela afirma estar sentindo um comichão para uma nova empreitada. Mas para isso precisa de tempo e silêncio. A seguir, trechos da entrevista:

Assunto

Vem das circunstâncias, às vezes do momentos do país, às vezes de momentos muito pessoais; acho que tocam as pessoas por isso mesmo, por serem tão íntimas (as circunstâncias) que normalmente elas não seriam expostas e eu arrumo um jeito de falar daquilo sem que pareça apenas uma fofoca. Esses textos em geral repercutem muito. Já falei, por exemplo, sobre jogo e este bateu no universo dos bicheiros, que é totalmente distante do meu mundo. Eles pediram para publicar numa revista de jogo. Eu sugiro que se faça uma Lãs Vegas no sertão nordestino e escrevo que, em vez de ficar se equilibrando na corda bamba da fome, mais divertido deve ser, ser bailarino ou crupier.

Ato de escrever

Se eu não conseguir dar uma forma nova, não vale a pena escrever. Aí a gente vai prum boteco, sento com você e a gente conversa. Para que dar minha cara a bater em outro veículo, eu, que já sou atriz, já tenho uma carreira aceita, pra que vou inventar moda? Ou arranjo uma forma única de me expressar dentro da escrita e faço isso com responsabilidade e a beleza que a literatura merece ou então não faço. E se não fosse assim, não me daria prazer. Eu sofro também. Tem semana que não tem assunto e depois que você arruma o assunto tem quer fazer o assunto render, fazer ele ficar bonito, dar forma, não é uma coisa tão simples assim. O meu consolo é que parece que o (Luiz Fernando) Verissimo demora semanas pra escrever aquilo que a gente lê em três minutos (risos). Quando me contaram, eu disse: "Ufa, então está bom". A Raquel de Queiroz demorava oito anos pra escrever um romance.

Cartas

Não tenho memória de desde quando eu escrevo. Mas sempre escrevi muita carta porque sempre viajei muito. Ainda hoje eu escrevo. Tenho uma relação epistolar com a escrita. Como morei fora, eu tinha que contar a vida, as impressões... E morando fora, você vê muita coisa nova, você tem um olhar estrangeiro sobre o mundo; suas observações são mais agudas do que uma pessoa que está ali vivendo naquelas circunstâncias. Então, eu sempre queria contar e acho que disso brotou a escrita e também meus pais eram muito exigentes. Eu venho de uma família de intelectuais, de gente que escrevia, gente que usava as palavras. Na minha casa não se falava legal, você tinha 800 palavras para fazer um comentário apreciativo de alguma coisa. Isso é uma sorte porque você usa seu vocabulário. A gente reduziu a língua a tal ponto que com três ou quatro palavras resolve-se o problema. Na minha casa nunca foi assim. Eu estudava numa escola estrangeira, mas quando eu chegava em casa falava-se um português muito bom. Isso também serviu para a literatura que faço hoje.

Clássico

Li todos os clássicos, ainda bem, porque talvez hoje não fosse ler. Li "Guerra e Paz", não sei se entendi, mas li com uns 15 anos. Eu ganhava prêmios evidentemente, não era assim tão espontâneo. Era uma coisa muito estimulada. Li os russos, os franceses, ingleses, todos. Meu pai era fanático por Shakespeare, então, ele me fazia decorar trechos de peças e declamar pra ele. Não achava tão bom naquela época (risos), achava um pouco chato, mas era divertido também porque eu ganhava presentinhos. Por exemplo, eu ganhava uma viagem pra tal lugar, ou ganhava dinheiro, podia dormir na casa de uma amiga; eram coisas que eles iam deixar de qualquer jeito, mas era negociado. Era uma conquista, tinha um sabor gostoso, além do fato de que depois que você aprende, descobre-se que muito é bom saber. Estou procurando um texto do Shakespeare que meu pai me deu pra ler, que não acho em lugar nenhum que se chama "Ten Ages of Man" (As dez idades do homem). Vou ter que perguntar pra Barbara Heliodora. Me lembro que decorei e era maravilhoso, já naquela época eu achava interessantíssimo.

Identidades

Acho que tenho mais coragem para escrever do que para falar. Certas coisas que eu, fechada no meu escritório, coloco numa determinada forma que me parece bela e nova. Então surgem de dentro de mim mistérios que eu não sabia que tinha e que eu posso nem publicar. Eu sei que posso escrever quanto quiser e deixar lá na gaveta, lá no fundo do computador. Eu tenho um livro inteiro escrito que não vou publicar nunca.

Livro escondido

Não gosto dele. Provavelmente nunca será publicado. Acho ruim, eu escrevi de um jeito que já não escrevo hoje e o capítulo ("Do Livro que Talvez Jamais Publique") que está no livro de crônicas, eu mexi nele pra ficar numa forma que eu gosto. Então teria que reescrever o livro inteiro e prefiro escrever um outro. Aquela menina (da ficção, do texto) mora na Birmânia, hoje é uma mulher, e tem toda uma história que está dentro da minha cabeça. Provavelmente nunca ninguém vai conhecer porque aquilo faz parte da minha vida que... que está associado a um momento que não estava bom, então eu impliquei. Eu o escrevi há uns oito anos.

Escritora

Muitas coisas que não sabia que tinha dentro de mim afloraram com a atriz. Agora isso acontece com a literatura. A literatura já me trouxe emoções via a literatura dos outros; já chorei rios de lágrimas, fiquei comovida, tocada e com vontade de participar desse mundo literário por causa das coisas que eu li ao longo da minha vida. Mas eu mesma, escrevendo... é um processo tão técnico, fico muito nas minúcias. A escritora é muito exigente, ela é muito introspectiva, ela vai lá para os meandros... Acho que a escritora é uma pessoa mais... Acho que há densidade dentro dessa escritora, tanto que gostaria de agora poder parar e escrever Estou com uma coceira. Só que preciso descer muito mais fundo do que faço com as crônicas. Estou sentindo essa necessidade. Tenho um universo lá pra ser cavado. Mas que precisa de tempo, e de silêncio sobretudo. É preciso que as pessoas à minha volta também acreditem que eu sou uma escritora. Minha empregada, por exemplo, não sabe disso (risos), ela não entende a importância da introspecção, que quando eu estou sentada no sofá eu estou elaborando alguma coisa; pode parecer que não estou fazendo nada, mas estou fazendo muito e se não vierem me dizer que o encanador chegou fica bem menos difícil. Há um treinamento a ser feito dentro de minha própria casa. (risos)

Branco

Na hora do branco eu sento e espero. Eu sei que isso acontece, no teatro acontece, acontece quando a gente acredita no branco; não pode acreditar,tem que esperar ele passar; como todos os momentos ruins da nossa vida passam, por mais horríveis que sejam, eles passam e você sobrevive. O difícil é você se acalmar nessa hora, se você não a coisa fica ali e te imobiliza. Eu tenho truques, às vezes vou andar, vou nadar, e procuro deixar o pensamento fluir fora do ambiente do meu escritório. Nesta hora, eu me afasto da empregada, eu tenho medo dela (risos); neste momento eu tenho muito mais medo porque eu sei que na hora do branco, ela tem uma intuição e quando a coisa está começando a vir ela interrompe, e você precisa retomar aquela hora inteira que você ficou se concentrando (risos)... Em geral, eu sento e começo a escrever alguma coisa e se ficou muito ruim, eu saio pra andar, em geral, ando na praia, perto da arrebentação, às cinco da tarde, e eu rezo, imploro, tenho vários recursos (risos)...

Maria

Comunico-me com a Maria muito através de bilhetes, cartas e mil papéis. Ela pode publicar um livro do dia que ela nasceu até hoje, com vários tomos de bilhetinhos porque ela guarda muitos deles. Antes, eles eram mais ilustrados. Agora eu escrevo coisas que em geral têm humor e derramações de afeto, como se ela tivesse três anos de idade... Ela também faz o mesmo comigo e ela escreve bem... Ela lê mais do que as pessoas da idade dela, eu imagino, mas a escola às vezes manda ler umas coisas muito chatas. Este ano, veio com a lista das leituras e é tudo bom benzadeus. Eu falo muito que ela escreve bem. Sempre elogio muito, então ela se sente motivada.

Maturidade

Além das carnes mais moles, essas coisas que a gente vê no espelho e que a televisão também revela muito porque uma pessoa normal tem muita sorte, né. Uma professora primária só olha no espelho enquanto está escovando os dentes, depois uma vez ou outra durante o dia e à noite. A pessoa pública, não, a gente vê na revista, na televisão, as pessoas comentam se está melhor assim ou assado, se o cabelo deu certo, se está envelhecida ou rejuvenescida, então você lida com esse assunto mais do que seria saudável, eu acho... Mas fora isso, acho que me sinto muito mais confortável dentro da minha pele hoje do que há dez anos. E isso aconteceu um dia depois do outro. Sou uma pessoa que tem uma busca. Eu tento enxergar mais claro todo dia, nos meus relacionamentos, dentro de casa, tento onde sei que meu temperamento é ruim e vou aparando as arestas, sempre fiz assim. Mas quando a gente é mais jovem é mais impulsivo, mais descontrolado. Ainda sou descontrolada, aliás quero ser para vida inteira, quero ser encantada com as coisas, quero ter um fogo interno, só que isso implica em sofrer mais também. Converso com meus amigos que tomam remédios anti-depressivos, eles não sentem nada, só uma coisa meio morna que não me interessa. Eu vou aprendendo a lidar com os sofrimentos da vida e não ter medo de sentir medo, faz parte da história. Depois os benefícios virão trazendo alegrias supremas. Soberaníssimas alegrias, você tem que descer no fundo do poço pra depois ficar profundamente alegre. Deixar correr.

Verdade

Eu acho que a verdade é a coisa mais sedutora que pode haver numa pessoa, mais sedutora que a beleza física, por que ela fica ali iluminando qualquer coisa que você possa ter de agradável para se ver. E ela é inesperada. As pessoas estão habituadas com joguinhos e quando você quebra isso com a verdade, é extremamente sedutor. E Isso é duradouro, você pode ter com 90 anos de idade.

Futuro

Sempre que vou para o campo ou pra uma cidadezinha à beira mar, eu fico imaginando que eu poderia virar pescadora, limpando os mexilhões, fazendo risoto dentro de casa, ou criando galinha. provaveLmente, neste contexto, ia ser bom escrever, entre um risoto e uma galinha, eu escrevo um texto (risos), naquele silêncio, sem telefone, sem empregada (risos). Eu sonho com uma vida simples... Tenho muitos sonhos, entre eles este, que é recorrente, já que viajo muito, e eu vou pra lugares ermos sempre, vou sempre pra buraco, não vou pra viagem de jet set, até faço de vez em quando, mas prefiro os buracos e sempre que chegou num lugar desse, penso,`puxa estou tão adaptada que eu podia viver assim, seria tão feliz´. Acontece sempre e eu levo a sério (risos). Depois eu volto, retomo minha vida e não penso tanto no assunto... Mas fica ali no pano de fundo. Eu posso criar outra vida totalmente diferente - essa eu já fiz, se for o caso faço outra. Se resolverem me dar um pé na bunda, `olha, Maitê, nos não gostamos mais de você como atriz', eu vou fazer outra coisa, tranqüilamente.