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Maitê Proença se diverte com
aceitação de seu personagem

TV Press - Julho/2010
 

Por Márcio Maio
Foto Luíza Dantas

De uma hora para outra, Maitê Proença passou a receber mensagens de mulheres que adorariam ter a rotina da infiel Stela, sua personagem na novela “Passione”, da Globo. E a atriz confessa que se surpreendeu com o teor de certos comentários e até desabafos. Quase todos demonstrando o quanto muitas telespectadoras são insatisfeitas com a vida matrimonial. “A Stela mexe em algum lugar reprimido das mulheres”, analisa a atriz, de 52 anos. Na história, ela é casada há mais de 20 com o grosseiro Saulo, de Werner Schünemann, que a destrata gratuitamente.

Na pele de uma mãe de família insatisfeita com o descaso e os maus-tratos do marido, Maitê parece se deliciar com as transgressões que, segundo ela, podem representar uma vingança aos homens violentos e ausentes. Ainda mais porque, no início, acreditava que sua personagem seria rejeitada pelo público. “Não é que ela tenha um amante fora de casa, situação que a gente já viu várias vezes na tevê. O que eu achei ousado é o fato dela trocar de homem diariamente”, justifica.

P - A Stela é uma personagem transgressora e suas cenas causam muita repercussão na mídia. O que você tem ouvido das pessoas nas ruas sobre as traições dela?

R - Não tenho saído muito, mas tenho um site que funciona bem na hora de estabelecer contato com os fãs. Lá, as pessoas brincam muito. Existem abordagens distintas, mas de uma maneira geral o que vejo é uma aprovação surpreendente. As mulheres dizem que querem ser a Stela, perguntam de onde saem tantos homens bonitos para ela se envolver, acham que ela é que é uma mulher feliz, esse tipo de coisas.

P - Essa aprovação surpreendeu você?

R - Sinceramente, achei que a reação seria contrária. Não apenas pela traição, que poderia até ser aceita diante do comportamento do marido dela. Mas as mentiras para a família é que me assustavam. O texto era claro: ela chegava e mentia descaradamente. Não havia uma culpa. Trata-se de uma personagem que faz isso com a consciência tranquila. Acreditei que esse cinismo poderia chocar certas pessoas, mas vejo que devem ter muitas mulheres insatisfeitas por aí, porque elas adoram a Stela. Talvez funcione como uma espécie de vingança aos maridos agressivos como o Saulo.

P - O que você acha que fez com que a personagem caísse nas graças do público?

R - O lugar onde se mexe na sexualidade, normalmente, é entre quatro paredes. Então, quando ela fica exposta, sem ser pornô, em um jogo elegante, acho que fica mais interessante. A Stela, sem nenhum fetiche ou clichê, faz esse jogo. E chega em casa ilesa. É uma brincadeira que pode dar errado, mas sempre dá certo. Acho que isso toca em algum lugar reprimido das mulheres. E também dos homens, porque ela procura o que a maior parte deles quer: sexo.

P - Você falou das reações de mulheres, mas não mencionou nada sobre o assédio masculino. Aumentou com as cenas da novela?

R - Quando um ator começa a fazer qualquer personagem, o público fica mais voltado para ele. As pessoas são curiosas, querem ver o artista em carne e osso e isso não muda nunca. Mas sinto que os telespectadores ficam com um pouco de vergonha de falar algo, ali, ao vivo. Elas se reprimem. As mulheres são mais atiradas, enquanto os homens não falam o que pensam. Eles deixam para olhar depois que eu já passei.

P - Você foi atrás de referências para construir a Stela? Como foi esse processo de criação?

R - A primeira reação que tive foi tentar buscar uma saída pelo humor. Mas, depois, vi que era contraproducente para a proposta do Sílvio de Abreu. Era uma saída fácil e não daria para ser desse jeito. Fazer com humor seria simples e eu me protegeria, estaria mais segura. Mas eu estaria trabalhando contra a história que o autor queria contar e não seria direito da minha parte. Tinha de partir para um lado sério, então fui para o oposto: o mais elegante possível. As pessoas costumam usar truques de sedução: caras, bocas, vozes, languidez, enfim, mas a Stela não. Ela é crua. Existe aquele olhar, mas tudo é feito de forma direta. A partir daí, com o tempo, surgiram pequenos detalhes que foram marcando bem as características dela.

P - Que detalhes?

R - Na primeira cena dela com um menino, lembro que a gente gravou com um que era tão lindo que a Maitê ficou com vontade de sorrir para ele. E aí, percebi que não era bom, que uma personagem como a Stela não iria sorrir assim por não ser fácil. Não desse jeito. Claro que se trata de uma mulher que quer aquilo, mas existe uma dor imposta pela mentira, pela vida dupla. O papel ficaria muito mais interessante se eu embutisse essa dor ali e deixasse de lado os sorrisos e a simpatia, trabalhando a objetividade. Percebi isso logo depois que gravei e nunca mais sorri. Guardei os sorrisos para outra fase.

P - A fase do romance com o Agnello e o triângulo com a filha dela?

R - Sim. Até para mostrar que ela cai na própria armadilha desse comportamento direto, objetivo e cru em relação ao sexo. Não dá para esquecer que aquela é a imagem de uma mulher com autoestima baixa, com um marido que diz para ela que ela é um lixo há mais de 20 anos. No sexo sem amor, podemos escorregar facilmente se encontrarmos um parceiro com atributos que nos complementem.

P - Além de atriz, você atua como escritora e apresentadora, tornando suas aparições em folhetins cada vez mais espaçadas. Artisticamente, as novelas satisfazem você?

R - Às vezes, me satisfazem mais. Em outras, não. Ainda bem que existem outras opções e não preciso me limitar. Novela ocupa muito, até porque não é só a novela. É por causa dela que estou aqui, dando essa entrevista para você. Há outras atividades associadas ao fato de eu estar fazendo uma novela.

P - O “Saia Justa” passa por um momento de reformulação atualmente. Você quer continuar a fazer o programa?

R - A gente não sabe o que vai acontecer. Estamos em recesso e em agosto ou setembro é que será estabelecido um novo formato. E que pode acarretar mudanças nas apresentadoras, inclusão de quadros e ideias novas, enfim, depois de oito anos é bom dar uma mexida. Gosto de trabalhar em lugares com serenidade e cordialidade. Contando que haja isso, posso ficar no grupo porque o horário é conciliável com minhas cenas em “Passione”.

Além do óbvio

A descrição das cenas da atirada Stela de Passione não assustou Maitê Proença em relação à exposição de seus atributos físicos. E nem mexeu com sua vaidade feminina. A atriz garante que sabia que não corria riscos. Primeiro, por confiar no trabalho de Sílvio de Abreu e da diretora Denise Saraceni. E também por entender que, atualmente, não é fácil emplacar sequências de sexo no horário em que a Globo transmite o folhetim do horário nobre. A própria censura limita isso. Tudo tem de ser feito de forma sutil, induzindo o público a entender a cena, avalia.

Tantos cuidados acabaram contribuindo para a construção de uma personagem mais elegante e sem qualquer traço de vulgaridade. O que, aparentemente, virou motivo de orgulho para Maitê. Não há decotes ou pernas de fora, nada fica à mostra. É mais inteligente não ser tão óbvio, opina. Prestes a ver o triângulo amoroso entre Lorena, Agnello e Stela no ar, a atriz não tem ideia de como o público pode reagir a esse tipo de conflito. Estamos em uma fase nova, com menos sexo, desconversa.

Trabalho autoral

Atualmente, Maitê não consegue esconder o orgulho que sente de suas investidas como autora. Tudo começou com crônicas em uma revista em 2003, abrindo caminho para a produção do livro Entre Ossos e a Escrita, o primeiro da atriz, lançado em 2005. Um ano depois, decidiu escrever para o teatro, resultando no espetáculo Achadas e Perdidas. A experiência trouxe mais prática para que a escritora iniciante arrebatasse o prêmio de melhor autor da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro pela peça As Meninas, ao lado de Luiz Carlos Góes. Por isso fiquei um pouco ausente das novelas até 2008. Quando decido escrever, preciso parar tudo e me dedicar. Não posso ficar muito dispersa, explica ela, que publicou ainda o autobiográfico Uma Vida Inventada: Memórias Trocadas e Outras Histórias.