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Entrevista para Roberto D'Avila

2000
 

Roberto D'Avila: Hoje nós vamos conversar com uma das mais belas e instigantes atriz do nosso país, Maitê Proença. Maitê Proença vem se destacando no cenário artístico brasileiro, por sua versatilidade como atriz. Na TV, no cinema, nos palcos, são muitos os papéis que interpretou sempre com muito sucesso. E falando de sua vida, iniciamos nossa conversa.

Maitê Proença: Eu nasci de uma família de intelectuais. Minha mãe era professora de filosofia e também era, mais tarde um pouco, ela passou a ser delegada cultural de 63 municípios que incluíam Campinas, Campinas como centro, então tudo que era, tudo que envolvia as artes era administrado por ela, escolhido por ela. Ela trazia óperas, eu lembro de gente, esses malucos cantadores de ópera, na minha casa ensaiando, porque não tinha espaço no teatro, porque o teatro não podia e tal, eles ficaram lá aos berros e fazendo aqueles gestos magníficos da ópera que minha mãe importava de fora, e aí eles iam pra Campinas e faziam o interior de São Paulo por conta dela, exposições de quadros e tal, ficavam aqueles quadros todos na minha casa. E meu pai era procurador da justiça e foi subindo e tal.

Roberto D'Avila: Mas quer dizer que você acha que a tua carreira artística veio desse ambiente?

Maite: Não sei. Eu acho que não porque eu nunca na vida pensei em ser atriz. Jamais passou pelas minhas considerações infantis. Foi muito casual meu ingresso na vida artística talvez se eu tivesse feito outras coisas, artes plásticas, acho que talvez eu tenha mais afinidade com algo que seja menos... que lide menos com as multidões. Talvez se eu tivesse ficado mais confortável na pele de uma artística plástica assim na minha vida. Tem uma lado meu introspectivo que sobrepuja o extrovertido. Mas na verdade isso foi uma vantagem, porque o fato de eu ter sido, de eu ter escolhido essa função de atriz, fez com que eu me modificasse demais como pessoa. Por força da atriz eu fui obrigada a lidar com emoções que eu não conhecia, que eu tranquei a sete chaves, que eu fui obrigada a trazer pra fora a extroversão, a lidar com grande público, são essas coisas que não teriam sido naturais na minha pessoa, eu acho, e que na verdade esse ofício do ator é muito catártico, a gente através do personagem, pode sentir coisas que a gente não sentiria como pessoa, não se deixaria sentir. Ódios, raivas, desesperos, todas as coisas excessivas que existem dentro da nossa pessoa, e que a gente recolhe, e reprime e tudo, eu posso mostrar na minha atriz, e como o personagem está aos prantos, eu choro através dele, sabe. Eu acho que, talvez as minhas primeiras lágrimas como adulta, vieram através de um personagem e não através da Maitê.

Roberto: E como é que foi o início de sua carreira?

Maite: Quem me chamou para ser atriz, acho que primeira pessoa foi Antunes Filho. Eu estava andando na rua, aqui em São Paulo, eu nem morava no Brasil. O meu pai estava doente, eu vim visitá-lo e nem sabia o que ele tinha. Quando eu abri a porta levei um choque porque ele tinha tido um câncer, o primeiro câncer porque que ele teve dois. E eu estava na Índia e um homem na rua falou assim: "Volta pra casa que seu pai está muito doente". Ele olhou pra mim e falou isso.
A única coisa que meu pai me pediu na vida foi que eu não fosse à Índia. Então, eu estava viajando já há dois anos pela Europa, e eu mandava cartas pra ele por pessoas que iam para a Itália. A pessoa tinha que postar a carta na Itália e falava assim: "Estou aqui em Nápole, está muito divertido, sol...". Eu contava tudo assim, eu pedia pra pessoa me contar como era o lugar dela lá e escrevia a carta assim... E aí, me deu uma culpa sabe -- meu Deus do céu, eu vim a Índia e ele ficou doente --, e eu fiquei com aquela pulga atrás da orelha e, de fato, quando eu cheguei no Brasil, ele estava doente.
E aí eu fui ficando por aqui... porque eu não acreditei que ele estivesse curado e achei que se eu ficasse, ia poder controlar aquele tratamento, ou seja lá o que fosse, mais de perto.
E nisso eu comecei a fazer cursos em São Paulo, ia muito ao MIS, tinha palestras e eu tentei me ocupar... Tentei fazer faculdade, porque eu tinha trancado matrícula em várias universidades -- na USP, na FAAP --, aí eu comecei a fazer a USP mas só tinha greve e não tinha aula, e então, não dava pra estudar e fui fazendo cursos, e numa dessas histórias o Antunes me chamou, fui fazer um teste e acabei ficando. Acho que ele me protegeu, eram 800 pessoas (risos).

Roberto: Quer dizer que você começou no teatro?

Maite: É, eu comecei no teatro.

Roberto: Em São Paulo?

Maite: Em São Paulo. Aí o Mário Prata me viu numas apresentações que a gente fez para o Antunes e começaram a me chamar para fazer televisão. Eu com essa formação toda que eu tinha de casa, em casa não podia ver televisão, era proibido, se quisesse ver tinha que ir ao quarto da empregada, se trancar lá e botar bem baixinho, porque dentro de casa não tinha televisão.

Roberto: Seu pai não deixava?

Maite: É não deixava. Aí... "vou começar fazendo televisão? Mas o que eu vou fazer na televisão?"
Ahhh! Aí inventaram lá um personagem, sei que depois de 1 mês de conversa eles me convenceram que a gente iria fazer televisão underground, imagine se isso é possível. E eu acreditei. Aí fomos lá pra Tupi, e eu fiz a última novela que acabou de acabar com a Tupi. Foi porque não tinha mais dinheiro nenhum, mas fez sucesso, era pra ficar uma semana e rodou a novela inteira e tal. E aí a Globo começou a chamar e assim foi.

Roberto: Você estava me contando que foi para a Índia, foi numa viagem grande na Europa. Como é que foi isso? Aos 17 anos resolveu sair do Brasil? Me conta um pouquinho dessa história.

Maite: Eu tinha entrado na universidade e eu não sabia o que eu queria fazer, achei que o cursinho, achei que o próprio vestibular ia selecionar pra mim, mas eu acabei entrando com mais matéria do que eu podia resolver na minha cabeça. Eu era muita curiosa, eu tinha muitas áreas de interesse. E aí eu falei: "Não sei. Não sei o que fazer, não sei o que eu escolho, não sei o que eu quero ser para o resto da minha vida. Vou viajar! Aí eu peguei e... "vou pra onde?" Eu tinha uma amiga minha que estava na França, falei assim: "Vou pra França". Aí fui lá ficar com a Renata. E passei um ano e meio nessa história, fiz cursos por lá e tal. E é lógico que eu não fiquei só na França, porque eu fui também, porque a minha idéia era fazer mímica com o Ethiéné D'Écroux que tinha sido professor do Marcel Marceau. Só que ele botava a gente, eu dezoito anos de idade, ele me botava pra fazer assim (movimenta os dedos) três dias seguidos. Eu com o mundo na cabeça, querendo ver o mundo e o homem só fazendo você independer o pescoço, da cabeça, da orelha, e era todo um domínio do corpo e tal. E eu não tinha paciência pra tudo aquilo. Eu queria, mas eu não queira tanto, queria mais conhecer o mundo. Aí eu sai pra viajar.

Roberto: Mas você ficou dois anos praticamente fora e voltou com essa dica que Ethiéné D'Écroux te deu.

Maite: É. Eu voltei com essa dica que Ethiéné D'Écroux. E eu estava com um namorado que fez a gentileza de pegar uma hepatite. Portanto, na Índia, digamos que não é o lugar bacana pra pegar uma hepatite. Então, alguém tinha que voltar e ele tinha uma baita cara de hippie e a gente achava que com pouquíssimo dinheiro que nós tínhamos, porque ele tinha gasto todo o nosso dinheiro que era pouquíssimo, contadinho. Ele um dia, porque ele era filho de -- em Campinas você sabe, tem uma sociedade muito forte de barões de café --, e o Ricardo, a família dele era tradicionalíssima, e o Ricardo estava acostumado com muito conforto, nós dois, digamos que a gente vinha assim de... E a Índia não é um lugar, pra você viajar barato na Índia é o auge do desconforto. Tem trem de terceira classe lá. No trem de terceira classe, nesse espaço que nós estamos caberiam 40 pessoas. Todo mundo no maior conforto. Só você que está desconfortável.

Roberto: Trens frescos, assim, ar condicionado………

Maite: Um calor, um calor, ratos, baratas. É um negócio assim que realmente exige uma adaptação. E o Ricardo lá pelas tantas, a gente ficou lá mais de 1 mês. O Ricardo que guardava nosso dinheiro numa bolsinha, lembra antigamente a gente viajava, quando viaja pobre né, você bota aquela bolsinha assim por dentro da calça, era ele que guardava o dinheiro. E aí ele sumiu. Nós estávamos num ashram, de graça, comendo de graça, dormindo de graça no chão, e o Ricardo resolveu desaparecer, sumiu, na Índia...

Roberto: Com o dinheiro?

Maite: Com o dinheiro. Eu fiquei desesperada procurando por ele, não sabia por onde começar e tal. Três dias depois aparece o Ricardo, lindo, descansado, com uma cara ótima...

Roberto: Tinha ido para um bom hotel.

Maite: Ele tinha gasto Roberto, todo o dinheiro da gente contadinho, suadinho, tim-tim por tim-tim num hotel com ar condicionado, tinha comido magnificamente, gastou tudo. Ele falou: "Olha Maitê, eu não pude falar pra você, porque você não ia topar". E eu realmente não agüentava mais. Então eu falei, "Mas Ricardo...". Eu tive um ataque. Tive um ataque na Índia, no meio da rua. E as pessoas ficavam olhando aquela mulher branca tendo aquele ataque, e riam, eles achavam engraçadíssimo. Aquela mulher tendo, a beira de um ataque, a beira não, totalmente dentro do ataque de nervos e eu comecei a mandar todo mundo embora, formou-se um circo e parecia um bicho numa arena, todo mundo achando muito divertido aquilo, menos eu que estava envolvida com o negócio, e o Ricardo apavorado, mas agora não tinha como recuperar o dinheiro nem nada. Bom, além disso resolveu pegar uma hepatite, porque eu até chegar na Índia fui tomando um pouquinho daquela água sórdida todos os dias pra criar imunidades, eu tinha teorias entendeu, eu achava que se eu me preparasse eu não ia ficar doente, deu certo meu sistema, o dele ele tomava água do Ganges de copos, aqueles corpos boiando, e o Ricardo "imagine, sou jovem, saudável, nada vai me acontecer". E então sem dinheiro não se entra na Europa, ainda mais quando se tem cara de hippie e eu tinha a cara melhorzinha, entendeu. Eu ai lá pra Europa, deixei o Ricardo hepatitico na Índia e entrei na Europa. Menti, disse que eu tinha os tais 200 dólares, que é o mínimo que se tinha na época, não tinha. A essas alturas já tinha enviado um dinheirinho pra gente, meu pai ou o pai dele, eu já não me lembro quem e aí eu comprei um bilhete e voltei ao Brasil, porque o nosso dinheiro só dava pra um, e de lá eu recuperei o Ricardo e ele voltou.

Roberto: Agora a Índia é uma coisa que ficou sempre na sua vida, porque toda hora você está voltando pra lá.

Maite: Eu gosto do Oriente. Eu gosto das coisas que são distantes de mim, talvez. É porque..., não sei porque. Porque é mais curioso pra gente, o que a gente não conhece, quanto mais desconhecido mais você tem que se adaptar. Acho que quando a gente vira uma pessoa pública o mundo meio que se dobra pra você. Tudo fica meio..., as pessoas reclamam dos desconfortos da vida pública, mas tem todo um aspecto confortável. Você fica pouco em fila, você é bem atendido, você tem lugar nos melhores restaurantes, todo mundo te paparica. Tem toda uma coisa que vem junto e que o mundo se molda a você. Então eu acho legal inverter isso, chegar lá e virar uma Maria da Silva. Ninguém sabe quem eu sou. Vou ao supermercado, quando eu bem entender entro na feira, fico investigando. E aí, realmente vira uma qualquer, eu acho isso..

Roberto: Você não precisa ir pra Índia pra fazer isso.

Maite: Preciso. Não, eu podia fazer isso na Jamaica talvez. Não. Também não dá, porque tem novela que vai pra lá. Acaba sempre alguém te reconhecendo... "ahhh, no eres aquella que ha echo la Beija, adoro la Beija!"... tem sempre um, até na França, na Europa. As novelas da Globo viajam pra burro, a gente não tem mais paz em lugar nenhum. Mas na Índia, na Tailândia, em Burma, aliás não se chama mais Burma, o país se chama Myanmar

Roberto: Você é chegada realmente nessas coisas assim mais esotéricas. Lembro que uma época você andou com o Daime. Como foi essa experiência com o Daime?

Maite: O Daime é uma experiência que demora pra contar, porque as pessoas não entende do Daime. E o Daime para se compreender tem que participar dele de fato. Não é uma religião convencional

Roberto: Você e a Lucélia?

Maite: Lucélia, Ney Matogrosso, Vicente Pereira, vários. Várias pessoas passaram por lá. Vários curiosos e investigadores do espírito.

Roberto: O Daime é um líquido?

Maite: O Daime é um chá. Um chá feito com cipó e uma folha cozidos, e nesse cozimento, é uma tradição esotérica da América do Sul, na verdade desde os Astecas, os Maias, os Incas, todos esses indígenas usavam, mas quem usava o Daime eram os pajés e os chefes das tribos, a família real, para fazer a previsão das colheitas, para ajudar nas curas necessárias, nas epidemias. Eles tomavam para terem auxílio de como proceder naquele determinado aspecto que aquela cultura deles estavam precisando.

Roberto: Mas é um alucinógeno?

Maite: Olha, ele é uma bebida que expande a consciência. Se você usar, se a pessoa usa um ácido para sair na noite dançar, eu nunca usei dessa maneira, eu usava ele dentro da doutrina. Então é todo conduzido e essa palavra alucinógeno eu não gosto de usar pra isso, porque eu acho, eu acredito que a natureza contém ervas do saber, elas estão aí para te auxiliar se você quiser, porque a gente usa um espaço limitado da nossa possibilidade, do nosso potencial, todo mundo sabe. Então há expansores de consciência, que quebram sinapses, fazem tic e te colocam em outro...

Roberto: Em outra sensibilidade?

Maite: Não é outra sensibilidade não, é outra realidade de fato. O gato te vê assim Roberto. Se um gato olhar pra você, você não é o Roberto D'Avila. A gente vê assim porque nosso olho é assim, porque nossa consciência está programada de uma determinada forma e tal. Sabe se uma pessoa for colocada, um indivíduo for colocado dentro de um quarto cheio de listas verticais, quando você tirá-lo de lá, depois de 2 meses, a vista dele não verá horizontal ele não tem a capacidade, não foi feito essa adaptação. Então tudo nosso é um condicionamento. Se você descondiciona, você vê toda uma outra realidade que está por trás dessa, mais digerível, digamos, para nós. Só que precisa de culhão, né?

Roberto: Precisa ser forte?

Maite: Não é para qualquer um, porque as vezes você vai para o Daime assim, achando que você vai ter uma experiência branda e amena, e você cai de um pedestal lá onde você se coloca, lá no chão.

Roberto: Você ficou muito tempo?

Maite: Eu fiquei três anos fazendo essa experiência e faria tudo de novo. É muito intensa, por isso eu saí, eu acho, porque até hoje tem coisa lá que estou digerindo... e também é um processo que você aprende a se descascar das coisas que a gente acha que são a gente, as couraças que a gente bota para se defender, não tem nada que se defender, vai indo, vai tentando a vida, vai seguindo seu caminho, que eu acho que não tem nada no teu caminho que você não dê conta, nada. Se está ali no seu caminho, olha de frente, não foge, não desvia, você vai dar conta. E o Daime ensina como dar conta, como lidar com o medo, como olhar de frente, se você...

Roberto: Maitê, quem te conhece sabe que você é uma pessoa muito corajosa, você enfrenta as coisas, você não passa ao largo, né. Você é uma pessoa que realmente..., preciso dizer aos telespectadores que eu te conheço já uns 20 anos, então mais ou menos eu sei como você é...

Maite: Nós éramos bebês. (risos)

Roberto: Eu estava pensando agora, enquanto você estava falando, na Madonna, porque a Madonna é uma pessoa que também tem uma grande vida assim muito aberta pra coisas. No entanto ela tem uma filhinha agora, assim como você. E eu noto que pra filha dela é muito conservadora. Como você vê, por exemplo, a tua filha de frente pra todas essas coisas da vida. Você pretende protegê-la mais, esse é um assunto que você pensa?

Maite: Não. Eu não penso nisso. Eu não acredito em programar isso para o futuro, porque a gente está fadado ao insucesso. Você faz uma programação rígida em relação aos filhos e eles te dão uma banana e nada vai dar certo. E eu não estou a fim de me frustrar nesse setor que é muito importante pra mim. Mas eu penso, eu faço considerações. Eu acho que estou criando a Maria com..., eu quero que ela tenha auto confiança, que ela acredite no taco dela, que ela saiba quais são as características que ela tem e que ela possa trabalhar com isso, que ela não se ache menor do que ela é, e nem maior, que ela tenha uma medida precisa do que ela tem e que ela use isso na vida dela, sem medo. E quando tiver com medo também não é nenhum bicho de 7 cabeças. Lida com o medo, fazer o quê? Eu acho que não sou de ficar calada, provavelmente eu falo mais do que eu gostaria e falarei com ela mais do que eu deveria. Eu poderia pensar e calar minha boca, mas eu acho... até porque numa determinada idade é natural que eles não prestem atenção na gente, eles estão se fazendo, tem que ter esse distanciamento, ela tem que achar que eu sou uma boba, para que ela sobressaia. E eu acho que o fato de ter uma mãe que é uma figura pública e que é admirada por tantas coisas equivocadas, os valores das pessoas são valores banais e as vezes as pessoas gostam só pelo simples fato de você estar aparecendo nesse quadradinho. Isso não te faz melhor, não te faz mais importante, não faz com que eu seja uma pessoa mais legal. Só faz com que eu seja mais popular, é diferente. Mas isso pode causar uma..., então, e eu quero que minha filha tenha essa independência, que ela seja uma pessoa e que ela pense por ela própria, eu estou fazendo o possível por enquanto. Se eu vou ser muito conservadora, eu vou tentar me segurar. Eu acho, por exemplo, eu tenho coisas como mãe, hoje em dia, só sei de agora, então, hoje em dia, eu posso entrar..., a gente tem um sítio, posso entrar na piscina de roupa? Pode, por que não? O máximo que pode acontecer é molhar a roupa. Eu posso... Várias coisas que os outros pais não deixam, por simples condicionamento. Eu deixo. Agora o que implica? Em perigo e tal. Não. E os perigos, eu não sou completamente paranóica, não fico pensando os perigos do campo não me afligem. Me afligem mais os perigos urbanos. Que neles a gente se perde. A droga é um negócio que eu passei por ela. Se a minha filha quiser passar ela terá que passar. Eu quero estar perto, quero estar ali.

Roberto: Tem muitos riscos.

Maite: Tem muitos riscos até biológicos, você não sabe se o seu corpo é do tipo que vai ficar naquilo pelo resto da vida ou não. A gente não sabe. A gente não sabe como são as nossas compulsões. Você experimenta, é muito interessante, é muito divertido, matou sua curiosidade você começa a gostar, gostou demais e de repente você caiu ali, ali você não sai. Agora eu falo pra minha filha não fazer o que eu fiz é duro, é difícil, né. Não sei como é que se prepara para certas coisas.

Roberto: Falei nisso porque eu vi a Madonna colocando a filha num colégio inglês (risos). Principalmente quando se vive alguns perigos, entre aspas...

Maite: E a Maria é muito conservadora, sabe? Ela tem um temperamento conservador e eu falo coisas para a Maria que ela acha que são completamente absurdas, ela acha que eu estou fora de mim. Então, eu já tenho essa vantagem. Ela é muito cautelosa. Eu me lembro que na idade dela eu já tinha quebrado todos os ossos do corpo. Se meu pai falasse assim: "Pula!", eu nem pensava. Não passava assim entre o "Pula" dele e o meu "Pular" de fato um pensamento. Não tinha o "TUM". A Maria, se ela pula? Ela pensa 15 minutos, dá uma olhada em volta, ela analisa as condições. Então, eu acho...

Roberto: O que você acha que te fez pular para vida assim?

Maite: Não sei. Acho que eu vim assim abusada. Como criança, eu me lembro, tinha uma praia em Ubatuba, perto do Lázaro. O Lázaro era uma praia calminha, do lado tinha uma praia que ninguém nadava, não podia, porque as ondas quebravam e formavam um buraco, um fosso imenso e aquilo parece que era perigosíssimo e tinha correntes que levavam para o alto mar. Onde eu ía? Ali. E aí tinham que me catar lá no meio do oceano com prancha, que na nossa época era de isopor, né Roberto?

Roberto: A minha época é ainda antes!

Maite: Mas era aquela prancha de isopor, não era aquela de bodyboard e iam com aquele negócio de isopor lá no meio, pra eu sair da corrente você vai margeando a corrente, você vai saindo dela pelo ladinho, nadando na corrente, enfim eu era esse tipo assim...

Roberto: Abusada?

Maite: Eu tive um temperamento de curioso e depois acho que a vida foi botando os percalços e não deu muito tempo para eu pensar.

Roberto: Você fala isso antes da morte da sua mãe?

Maite: Eu acho que a partir da morte da minha mãe. Primeiro que nós éramos, nós todos, eu tenho um irmão que está vivo e tenho outro irmão que morreu também eu perdi todo mundo. Perdi meu pai, minha mãe, meu irmão, o Zuza e nós não tínhamos a presença dos pais, eu via muito pouco meus pais, então era muito na rua mesmo. E cidade do interior naquela época...

Roberto: E a rua era boa, também.

Maite: Era uma delícia. Eu voltava cheia de hematomas, brincava só com moleques, tinha um campo de futebol do lado da minha casa e eu jogava no ataque. Era do lado da minha casa eu determinava onde eu queria jogar, mas a gente brincava eu me lembro, a gente brincava dentro das construções, as casas que estavam em construção a gente ia brincar de bandido e índio, de mocinho e bandido. Era brincadeira bruta, sabe? Eu ficava na rua até 9 horas da noite. Quando eu voltava eu via rapidamente meus pais. Nas férias. Nas férias era assim, eles não estavam trabalhando, programava-se as férias e aí era uma coisa também muito ligada aos esportes, que meu pai era uma pessoa assim e minha mãe também, eles tinham uma coisa, acho que era moderna até pra época...

Roberto: Você tinha quantos anos quando sua mãe morreu?

Maite: Eu tinha 12 anos. Então eu acho que isso criou uma independência. Eu tinha umas aulas extracurriculares eu ia sozinha, eu me virava pra ir e voltar, não sei direito como deu certo, como é que a gente se criou.

Roberto: Você acha que você ficou madura muito cedo nesse sentido?

Maite: Depois com a morte da minha mãe eu perdi meu pai também, porque ele pirou nesse episódio, foi morar longe e eu fui morar num pensionato luterano, eu que não tinha religião, meus pais eram ateus, fui cair dentro de missionários luteranos, imagine. Os pecados, eu não tinha a menor idéia do que era pecado na minha vida e ...

Roberto: A formação luterana é dura?

Maite: Eles são muito rígidos, ainda mais eles eram missionários, estavam aqui para cumprir uma missão de evangelizar. Cai essa menina sem pai nem mãe era um prato cheio. Eu amei essas pessoas muito, que me acolheram nesse momento, sabe. E ao meu irmão, porque o meu irmão mais velho, o Zuza, que também é uma história curiosa, meus pais não eram comuns. Meu pai antes de casar com a minha mãe, pegou um menino que era o Zuza, que era filho de servente de pedreiro e tinha vários irmãos, a mãe dele morreu e o pai ficou com aquela filharada e não sabia o que fazer e deu um para o meu pai. Foi até o promotor público e falou assim: "Olha doutor eu tô com esse problema, sou servente, tô desempregado, minha mulher morreu. Era ela quem criava. Eu agora não sei o que fazer com esse monte de filho, eu tenho que distribuir por aí". Aí foi distribuindo e um ficou lá em casa, que era o Zuza. Quando eu nasci o Zuza já estava lá.

Roberto: Esse que morreu?

Maite: Esse que morreu. Ele era o meu irmão adorado, querido, que era o meu irmão mais velho. Quando minha mãe morreu ele também, é... meio que já tava indo embora, sabe. Meus pais estavam brigando muito, ele não estava agüentando, ele já estava saindo e estava noivo, ele logo se casou e tal. Então o Zuza se foi. Então sobrou eu e o meu irmãozinho pequenininho. E eu meio que criava meu irmão dentro desse universo novo pra gente, sabe. Dessa gente que pensava umas coisas esquisitas de Deus e de pecados.

Roberto: Era um internato?

Maite: Todas as pessoas que moravam lá estavam sem o seus pais também, todas as crianças. Porque os pais eram missionários pelo Brasil e deixavam lá, porque lá tinha uma escola americana e estudavam em escola americana e não tinham brasileiros em escolas americanas nessa época, essa é uma outra história. Brasileiro em escola americana, era só eu e meu irmão e uns poucos que foram chegando, foi virando moda depois. Quando eu entrei em escola americana eu era a única.

Roberto: Vocês viviam, moravam na escola?

Maite: Não. Por acaso as crianças que moravam nesse internato, freqüentavam a escola, eram americanos, luteranos que freqüentavam a escola, por isso a conveniência de eu morar lá, eles me acolheram, mas também não tinha muita escolha. Então, eu fui pra lá. Nisso meu pai também não estava muito bem, digamos, então nós perdemos os dois simultaneamente. Não foi muito fácil.

Roberto: Eu imagino que para uma criança passar por um retorno difícil, o que traz para a vida isso, se a tua formação, essa tua coragem das coisas ...

Maite: Não acho que eu tenha coragem das coisas. Eu acho que eu sigo em frente...

Roberto: Você enfrenta?

Maite: Eu enfrento, mas eu morro de medo também...

Roberto: Mas as vezes a coragem é até inconsciente

Maite: Eu vou, sempre tive que ir, eu tinha escolha Roberto. Não é uma coisa, uma opção, não tinha opção. Estar sozinha no mundo era uma coisa que me... a vida aconteceu assim pra mim. Não é que eu optei: "Vou sair de casa", não foi um gesto, uma atitude de coragem, o destino fez isso comigo, então, eu tive que me adaptar a isso, entendeu. Não é como alguém que tem a iniciativa. E eu acho que o destino fez isso comigo muitas vezes e eu fui por força das circunstâncias fui aprendendo que a gente não morre, a gente só vai aprendendo como é que faz sem ninguém. Como é que faz, como é que faz sem ter ninguém pra pedir conselhos, sem ter ninguém quem você confie, sem ter ninguém, que você não saber como vai ser o dia de amanhã, como é que a gente faz. Você vai descobrindo. Ou você senta na sarjeta e chora, e não era o meu temperamento. Eu não era desse tipo. Meu irmão virou alcoólatra, o outro... As coisas, nem todo mundo deu assim..., com a mesma formação, alguns por algum motivo, que não é a coragem, talvez seja até a inconseqüência, por eu pensar menos. Eu PÁ. Nem deu pra pensar aqui. Se eu pensar agora eu morro aqui. Se eu pensar agora vai morrer eu e meu irmão. Se eu pensar agora, sabe? Tinha muita coisa em volta, eu tinha muito o que fazer naquela época, eu tinha um pai que não estava bem, eu tinha... enfim, as circunstâncias a gente não esclareceu e eu não estou com vontade de esclarecer, mas eu tinha que me apresentar em juízo, eu estava num plenário, eu tinha muito que fazer, tinha uma cidade inteira contra, formando opiniões, entendeu? E se eu não defendesse quem tinha sobrado na minha família, aquela pessoa ia morrer também, porque ia se matar, ou porque... enfim, as circunstâncias eram as piores possíveis e dentro disso talvez a minha inconseqüência.

Roberto: A vida é bela?

Maite: Olha, a outra coisa é que em nenhum momento, de todos os percalços que continuaram acontecendo, é que eu não falo deles porque eu acho feio, entre outras coisas, eu acho feio a gente pegar as tragédias da vida da gente, todo mundo tem, né? Todo mundo tem infelicidade. As vezes elas vem assim de forma compacta e brutal e você, ou você se afunda ou se sai dela. Ou as vezes elas vem em doses homeopáticas e talvez elas sejam até pior. Porque em doses homeopáticas nem dá tempo de você criar coragem, porque aí você vai, é uma pauladinha, outra pauladinha, e aquele negócio que vai te minando, mas eu sempre vi a luz no final do túnel, nunca na minha vida...

Roberto: Nos momentos mais duros?

Maite: ...nos momentos mais duros nunca, nunca, nunca eu pensei em morrer, nunca passou pela minha cabeça a possibilidade de desistir, não havia essa múltipla escolha, não havia esse ítem ali. Sempre tinha: "Vai faz mais aquilo" "Vai mais ali". Tinha uma luz lá longe, acho que era Deus. Meu Deus que eu não conhecia naquela época, porque o meu conceito de Deus evidentemente não era um Deus convencional, porque como eu não tive ele ensinado pra mim...

Roberto: Uma formação religiosa?

Maite: Não tive nenhuma formação religiosa. Pelo contrário, meus pais tinham até uma versão pejorativa desse aspecto da vida e essa forma de pensar. Eles eram ateus convictos, então eu acho que quando a gente descobre Deus, o Divino, seja lá o nome que você queira dar, a força, o mistério, o que está por trás do que a gente não compreende, todas essas coisas, quando a gente descobre isso pela investigação pessoal, é outro Deus que você descobre, sabe?

Roberto: Eu me lembro daquelas tuas fotos da Playboy, que foram muito bonitas, que você fez na Sicília...

Maite: Eu fiz duas vezes Playboy. As duas vezes foram revolucionárias pra própria revista. A primeira foi em preto e branco. Eu me lembro que o Garcez chegou pra mim e falou assim: "Maitê, olha, parabéns. Você conseguiu fazer as fotos menos sexy da história da revista". Porque tinha uma pedra... Eles falavam pra mim assim: "- O que você quer, uns poas? "- Não" "- Você quer uma taça de champagne?" Elementos, né. "- Cinta liga?" Todos aqueles fetiches e tal. Eu falei que não queria nada daquilo. Eu queria uma pedra. "- Pedra? A pedra não é sexy Maitê. Pelo amor de Deus, não vai vender revista" Acabou que vendeu um monte de revista.

Roberto: Foi o Garcez que te fotografou?

Maite: Não. Ele viu depois e falou - você consegui um fenômeno. E...

Roberto: E a segunda foi na Sicília?

Maite: A segunda foi na Sicília. Que era bárbara.

Roberto: Quantos episódios interessantes.

Maite: Foi escolhido pela, a Editora Abril está fazendo um livro com as matérias jornalísticas mais importantes deste século no Brasil e incluíram minha foto como foto, e não como nu. Uma foto que eu estou com as velhinhas.

Roberto: Pois é, como é que foi aquela história das velhinhas?

Maite: Aquilo era um negócio, porque eu queria fazer no Sirilanca, e aí me sugeriram a Sicília, acho que foi até o Bob Wolferson que sugeriu que era o fotógrafo que eu tinha escolhido pra essas fotos. Ele falou: "- Maitê, vamos fazer na Sicília?" Falei: "- Pô, Sicília é maravilhoso! Que além de tudo a Sicília tem o moralismo e a liberdade de estar nu" "- Será que vai dar certo?" "- Vamos pra lá" E o concreto com a carne, sabe? Porque a Sicília tem uma coisa assim da arquitetura, sei lá. E o preto e branco, a Sicília é muito preto e branco...

Roberto: Um luto, aquele preto, né?

Maite: Um luto, aquelas mulheres de preto e eu pelada. Eu fui pensando assim... fui pirando no negócio... Eu queria fazer lindo.

Roberto: Mas ficou muito bonito.

Maite: Ficou lindo. Eu adoro aquelas fotos, mas na prática era impossível Roberto. Nós fizemos quase foto jornalismo. Parabéns para o Bob e pra toda equipe. Porque a gente... eles botavam a gente pra correr. A gente chegava numa vilazinha, não dava pra programar muito porque ninguém permitiu. Então a gente teve meio que fazer camuflado. Então chegava toda encapuzada, de roupa, começava a conversar, todo mundo me achava muito simpática eu falando italiano, muito sedutora, simpática, agradabilíssima. De repente... a santinha caia do andor, porque eu tirava a roupa, ficava nua. Aquela pessoa com aquela cara de gentil...

Roberto: E tinha que fotografar rápido?

Maite: Tinha que fotografar rápido. Então, era mais fácil fazer com os homens do que com as mulheres, Por que as mulheres entravam pra dentro de casa dando cascudo nos filhos, dava na cabeça, e puxava, e brigava com os maridos era um problema. O prefeito da cidade vinha e botava a gente pra correr. Foi assim, foi difícil de fazer.

Roberto: E os homens?

Maite: Os homens ficavam fascinados. Imagina aquela mulher nua.

Roberto: Mas tem uma foto você no meio das velhinhas, não tem?

Maite: A foto no meio das velhinhas é porque... elas conversavam comigo, elas viam, elas olhavam pra mim "Ma Ma questo e la pornografia. Ma no! Io no sono cosi! Io no fatto la pornografia! O una bambina cosi! Guarda la mia faccia!" Aí ela olhava pra minha cara. E ela via que realmente eu era uma pessoa doce, aprazível e tal. Aí ela olhava pra baixo e eu estava nua. Dava um "tilt" na cabeça das velhinhas, entendeu? Então, naquele momento, a gente armou um pouquinho as cadeiras, mas as velhinhas estavam ali, elas eram figuras locais, elas estavam com aquelas roupas, e eu expliquei pra elas, e naquele momento eu falava barbaridades pra ela.

Roberto: E as velhinhas começaram a gostar?

Maite: Elas começaram a gostar porque eu falava muita bobagem. Foi divertidíssimo e aquelas risadas eram genuínas. Tá na cara que a gente estava rindo mesmo, entendeu? E o Bob teve a sacada de fotografar todos os momentos e vai fazendo. Ninguém falava: "- Maitê, estica a barriga, faz assim, faz assado". Foi fazendo. A que saísse boa a gente publicava, entendeu?

Roberto: E nos 40, dá pra ir pra Playboy ainda?

Maite: Não já fiz, todo mundo já viu. Eu fiz como eu queria fazer, sabe? Não teria feito se não fosse daquele jeito. Depois não tem problema de pudor, de achar que aquilo é imoral. Do jeito que eu fiz não é. Há posições das quais você não se recupera. Se você é a rainha da Inglaterra e fizer uma pose assim (posição sexy) ela nunca mais. Mas se você fizer com... qualquer coisa você pode fazer com dignidade, qualquer coisa. Ficar nu, você não pode ter um preconceito contra o nu em si. Agora, consegui fazer isso dentro de determinados veículos é um pouquinho mais complicado, mas comigo a revista Playboy, e vendia, né?. Dá pra fazer. Dá pra fazer legal. As pessoas não fazem porque elas não querem, porque elas acham mais legal mesmo ficar naquelas outras posições, daquele jeito. Mas dá, porque eu fiz e deu certo e vendeu e tudo.

Roberto: Atualmente Maitê viaja pelo país vivendo o papel da princesa Isabel. Dirigida por Domingos de Oliveira, a peça assinada por Aderbal Freire Filho, conta de uma maneira ficcional a reação da princesa no dia seguinte à Proclamação da República no Brasil

Maite: A história é o seguinte, a família real que estava instalada no Brasil já há 80 anos, porque nós éramos uma colônia há 400 anos, mas a família estava aqui, tinha vindo pra cá e tinha se instalado aqui na época da D. Maria, a louca. Essa sim era louca, ficou louca inclusive aqui, quando veio para o Brasil. Ela não aguentou, né? O calor, foi ficando pirada. Depois voltaram para Portugal quando Napoleão caiu, a família imperial voltou pra lá e deixou seu filho D. Pedro II. E finalmente, 80 anos depois a República foi declarada, então nesse dia o Aderbal, nosso autor, imagina que a princesa...

Roberto: Aderbal Freire?

Maite: Aderbal Freira Filho. Imagina que a princesa Isabel que era uma mulher muito cordata, muito piedosa, muito religiosa, muito sensata, conhecida como a redentora do Brasil que fez a Lei Áurea e tudo isso, pirou. Porque ela foi criada pra ser princesa, para administrar o país, nunca nem passou pela cabeça dela que o povo pudesse tomar o poder. Então na nossa peça, ela fala o que realmente pensa, ela perde todas as características principescas e ela fica muito desbocada, fica muito irreverente, enfim, resulta o cômico evidentemente. Eu tenho que fazer muito seriamente, porque ela faz planos mirabolantes, os quais ela acredita. Os loucos acreditam, com fervor nas suas loucuras, né?. Então é uma peça muito exaustiva, mas pra resultar engraçado, pra mim aquilo é muito sério. É um negócio louco, porque as tonalidades são muito fortes. Quando ela fica brava ela fica muito brava, quando ela fica irreverente ela fica muito irreverente. E que tudo que ela fala que as vezes é muito lúcido, as vezes tem a lucidez do louco, né? Ela fala no pior momento, no menos adequado, fala na frente da pessoa que não poderia estar ali, então resulta engraçado, né?

Roberto: Vai viajar o Brasil?

Maite: É fizemos uma temporada no Paço Imperial que era onde vivia a família imperial mesmo, dali eles foram enxotados direto para Portugal, atravessaram e foram para o porto e chegaram em Portugal. Eles tinham 24 horas para deixarem o Brasil e nessas 24 horas a gente faz a princesa Isabel ficar louca. E é muito surpreendente, porque ele botou Getúlio Vargas assim, várias coisas anacrônicas ali no meio, é como se Getúlio tivesse escrito a peça. Mas não dá pra contar, porque o final é surpreendente. O que eu queria dizer é que a peça é bem humorada, porque as fotos que sairam...

Roberto: Da louca?

Maite: Da louca. Parece que é uma louca que puseram ela atrás de umas grades. E não existe grade nenhuma na peça. Ela está em cima de uma cama, totalmente irreverente. As pessoas gargalham na peça, levantam da cadeira e gritam "bravo", é assim, uma experiência muito agradável pra mim. Tenho muito orgulho desse trabalho. Dirigido pelo Domingos de Oliveira que se tornou meu grande amigo...

Roberto: E grande diretor.

Maite: Grande diretor o Domingos, eu achei que estávamos assim numa coisa sofisticada, intelectual, eu vi que era uma peça totalmente popular, porque eu é que era a burra, eu não sabia muito de história do Brasil e o Aderbal, durante os ensaios, deu aulas inacreditáveis, uma história do Brasil da forma mais deliciosa, porque por trás, sabe, pelos bastidores...

Roberto: Muita ficção provavelmente.

Maite: Nada. É porque ele é culto mesmo de história do Brasil, é muito erudito da história do Brasil, só que contando coisas saborosíssimas. E foi explicando a peça, foi reescrevendo a peça e a peça ficou totalmente..., virou uma historinha bem contada que as pessoas adoram.

Roberto: Maitê, você tem um preparo, quer dizer, você não é uma pessoa apenas bonita, que se lançou na televisão. Não, você tem um preparo de vida, você leu, você gosta das coisas, você é curiosa, você pensa em dirigir, fazer outras incursões, digamos, nessa área mais...

Maite: Roberto eu não penso muito. Não sou uma pessoa que faço prospecções para o futuro, tem muita investigação como atriz também que eu acho que agora eu estou preparada para fazer. Durante um período da minha vida como atriz, eu não levava tão a sério quanto levo hoje. Hoje eu não levo a sério, quer dizer, pelo contrário, eu levava muito a sério. Eu acho que levar a sério tensiona, deixa você ineficaz, porque você fica intelectualizando as coisas.

Roberto: Tem que levar a sério naturalmente.

Maite: É. Eu acho que nada que é sério demais pode ser divino, sabe? O Domingos fala isso. O Domingos fala um negócio que é maravilhoso, que depois que você pensa, ele fala: "Tudo que é divino é sem esforço". O momento do gozo não tem esforço. Tem aquela coisa toda antes, mas na hora do êxtase ele é sem esforço. E tem que ser. E eu fui descobrindo isso, porque como eu não tinha prática, eu não tinha convívio, no início da minha carreira foi...

Roberto: Você está falando do negócio de atriz, não o que você estava falando antes?

Maite: Não. Mas é que uma coisa entra na outra, porque o início da minha... eu não tinha hábito de ver teatro, nem televisão, nem nada, eu cai dentro da televisão que é um veículo... eu tenho que ter alguns instrumentos, eu não tinha nada, não sabia nada, nada, nada.

Roberto: Você não fez uma formação?

Maite: Não, fui aprendendo a fazer. E como eu fui muito cobrada, porque eu cheguei, era bonita, eu ganhava um salário alto, porque eu exigi, porque eu não ia me descambalar do interior de São Paulo pra cá pra não ganhar nada e tudo, e as coisas foram acontecendo de uma forma aparentemente boa, mas o que eu atropelei, eu não sabia o que eu estava fazendo, entendeu? Tinha que se aprendido antes, na moita, pra depois eu aparecer e eu fui fazendo tudo junto.

Roberto: Fazendo e aprendendo.

Maite: Aprendendo, levando paulada e cacetada, porque não sabia fazer. E hoje em dia eu estou muito mais confortável dentro da minha pele, eu estou muito mais confortável dentro da minha pele como pessoa também. E isso eu também posso oferecer essa pessoa para o meu ator. Eu acho que eu tenho ainda muito o que fazer como atriz. Eu acho que os últimos trabalhos meus, assim de 10 anos pra cá, e mais agora ainda a Isabel tem um trabalho muito legal, muito arrojado, muito corajoso. Desculpe eu ter que falar de mim, mas... (risos)

Roberto: Está aqui pra isso.

Maite: Os críticos também concordam. Tem vários críticos, os jornais todos falaram que é divertidíssima a peça, e que eu estou..., vários adjetivos me qualificando muito bem, mas eu acho que esse prazer de fazer sem tensão ou de colocar a tensão na hora certa, na hora que eu quero, não a tensão da Maitê que está com medo, que acha que não vai conseguir fazer, a tensão do personagem que está tenso, que tem uma história ali que exige dele aquilo, essa rédea na mão que hoje eu tenho, eu quero manter, ficar ali na minha carrocinha ainda mais um tempo.

Roberto: E amores, como é essa fase, essa...

Maite: Está um deserto do Saara, Roberto. Não tem nada assim...

Roberto: Você é de se apaixonar quando você entra, né?

Maite: Eu fico muito apaixonada, mas também a gente se apaixona por um príncipe e dali 4 meses o príncipe vira sapo, né?

Roberto: A princesa também?

Maite: A princesa está aprendendo virar um sapinho menor atualmente, porque a gente vai aprendendo a fazer as coisas funcionarem melhor, não encrencar com coisinhas, eu acho assim, tem coisas que eu aprendi de relacionamentos se você tem uma briguinha todo dia não há casamento que sustente, se é uma boa briga uma vez por ano, é uma maravilha, uma boa briga dá uma reaquecida, né? Fala aquela coisarada toda, bota os bichos pra fora e tal, arruma a casa e toca mais 1 ano pra frente na harmonia, na boa e tal, mas aqueles relacionamentos que as pessoas ficam se cobrando, ficam naquela guerra fria, ficam naquele "nhem, nhem, nhem" não aguento isso, não quero isso, eu gosto da minha vida, tenho muitas coisas pra fazer, eu acho que hoje eu saberia melhor lidar com relacionamento a dois, mas eu não quero qualquer pessoa nesse lugar.

Roberto: Parabéns.

Maite: Tem que me merecer e eu merecer a pessoa. E realmente uma relação de parceria, onde um tem pra dar e o outro também. Que não fique desigual, que não fique vertical, alguém olhando de baixo pra cima assim pra mim, né... Eu quero. É possível eu acho.