Maitê Proença já tirou o sono de muita gente. Dona de expressivos olhos claros e uma beleza clássica, que quase sempre usou em prol de seus personagens, Maitê vai surpreender o público em Torre de Babel. Na novela de Sílvio de Abreu, que estréia dia 25 substituindo Por Amor, a atriz interpreta Clara, uma mulher completamente desprovida de vaidade e reprimida. "Até o choro dela é feio, gutural. Saio de cena com o coração na boca", conta empolgada.
Maitê reconhece que titubeou quando Silvio propôs a Clara, apesar de já ter feito outras novelas dele, como Guerra dos Sexos e Jogo da Vida. Tinha medo que os espectadores achassem que ela já não possuía as atributos plásticos exibidos em novelas como Dona Beija, da Manchete, ou O Salvador da Pátria, que está sendo reprisada no Vale a Pena Ver de Novo. "Poderia ser uma temeridade abrir mão da beleza antes da hora", justifica.
Apesar da rápida dúvida inicial, foi seduzida pela possibilidade de interpretar um tipo tão complexo em Torre de Babel. Maitê considera Clara uma personagem única na carreira televisiva de quase 20 anos, iniciada na extinta Tupi em Dinheiro Vivo. Na trama Clara é filha de criação do empresário César Toledo e Marta, papéis de Tarcísio Meira e Glória Menezes. Não tira proveito do dinheiro dos pais e chega a ter um relacionamento amoroso com o vingativo pedreiro e ex-presidiário Clementino, vivido por Tony Ramos.
A dupla romântica com Tony Ramos é antiga. Fizeram a minissérie O Sorriso do Lagarto e a novela Felicidade. Fora os tresloucados casais rodriguianos de A Vida como Ela É. A parceria garante a harmonia nos bastidores de Torre de Babel. O que não aconteceu na última novela da atriz. Dona de uma personalidade forte, Maitê prefere nem comentar a saída prematura de Cara & Coroa, em que contracenava com Miguel Falabella. Dizendo-se mais segura e tolerante com o processo industrial de fazer novela, demonstra empolgação com o trabalho atual. "Não tenho o hábito de ver novela. Mas Torre de Babel, já no texto, tem muita ação e é impactante. Vai surpreender", aposta confiante.
— Quais dificuldades você enfrentou ao compor a Clara?
— A clara é introvertida. Foi uma composição filigranada, sutil. Quando tenho cena de emoção, me seguro para não deixar ela extravasar totalmente. Ela não é o tipo de pessoa que faz catarse. Às vezes, saio do estúdio entalada. Quando uma pessoa se deixa explodir, fica mais leve. Sobra para quem está em volta, mas a própria pessoa fica mais leve. Algumas vezes de forma desajeitada e com conseqüências, mas botou para fora a emoção. Na Clara, tem de sair essa emoção e ainda ficar um mundo lá dentro. É difícil porque devo manter a rédea curta para ela não fugir da minha mão. Nunca fiz nada semelhante. E a Clara não é nada parecida comigo. Daí, não posso emprestar nenhuma atitude minha para ela. Fico muito incomodada quando vejo as cenas.
— Por quê?
— Ela é toda apagada. Usa duas presilhas no cabelo dividido ao meio para enfeiá-la. Não é uma caracterização como já fiz, com dentes, pêlos e verrugas, em A Vida como Ela É. A Clara é muito sutil para combinar com alguém sem vigor ou elã. Boto um pó branco bem seco e não uso batom nenhum. No olho, uso bege para empalidecer. Fico assustada. Não só por causa do aspecto estético. Fico mexida em um sentido não muito agradável depois que a vejo e sinto uma estranheza. Mas é isso o que ela tem de provocar, porque ela é estranha mesmo.
— O que a motivou a ser assim?
— Até teria motivações psicológicas, mas todos nós temos momentos desagradáveis na vida e nem por isso tornamo-nos excêntricos. Ela tem história de um filho que morreu. Enclausura-se depois disso. Inicia a novela tendo um relacionamento com o Clementino, feito pelo Tony Ramos. Ele ficou 20 anos preso e ela se encastelou e não tem amigos. Tem medo da vida. Mas talvez seja simpática ao público porque é muito genuína, única.
Não há entretanto nada nela feito com o objetivo só de agradar.
— Como está sendo voltar a contracenar com Tony Ramos?
— É muito prazeroso trabalhar com quem se tem intimidade em cena. Fora que o Tony é um oásis dentro da tevê. E não é maledicente. É leve, sem ser burro. É verdade que em novela, depois de 9 meses convivendo com os atores, parece que moramos juntos a vida inteira. Ao longo desse convívio, as pessoas se estressam. Sem duvida é um alivio ter esse caminho andado com o Tony. Ele é um exemplo de bom-caratismo. É um homem admirável.
— E o que você acha do texto do Sílvio de Abreu?
— Tenho bastante intimidade. Jogo da Vida, a segunda novela que fiz na Globo, era dele e fazia a antagonista Carla. Depois fiz Guerra dos Sexos e Sassaricando. Foi ele quem me ligou convidando para Torre de Babel e topei de cara. Com receios.
— De quê?
— Brinquei de fútil com o Sílvio: "Estou há anos sem fazer novela e você vai me botar fazendo um jaburu logo na entrada? O público vai achar que fiquei assim de verdade, que piorei muito." Isso foi no primeiro momento. Aí o Sílvio falou da importância da Clara na trama, me seduziu para sua esquisitice e disse que o resto era besteira. Só que quando se tem 17 anos, tudo bem. Mas aos 39 é bom contar com a beleza porque já se sabe bem que ela não dura para sempre. Enfim, estou gravando, encantada.
— Como atriz você se sente limitada por conta dos padrões estéticos?
— Não se deve ser ingrato com um dom recebido. Deus não deu beleza para a humanidade inteira. Mas é bom deixar claro que não se trata de qualidade e sim atributo físico. Não fui eu que fiz. Foi mamãe e papai, no máximo. Só que abrir mão dela, há de se ter um personagem legal. Não dá para chutar isso como se fosse algo desprezível. Se achasse desagradável, faria um corte no rosto. Não vou fazer falsa modéstia, nem usar do lugar comum dizendo que beleza atrapalha. Tem prós e contras. Às vezes, por causa da beleza, as pessoas deixam de ver outras características que também estão ali. Disse também ao Sílvio que ela ia me colocar como uma tia velha e as mulheres iam adorar. Mas falando sério, é incômodo fazer a Clara. Existem personagem agradáveis e outros não.
— Como assim?
— Em A Vida como Ela É eram todos personagens neuróticos. Quando se faz a fundo, aquilo fica trabalhando dentro de você e é incômodo. E tem de ser incômodo ou não sai bom. Dá para interpretar superficialmente, mas aí não vai tocar as pessoas. A única possibilidade do personagem causar impacto é trabalhando em profundidade. E assim é doloroso. Ossos desse ofício...
— Você pode citar um personagem que tenha sido agradável de fazer?
— Dona Beija, só que ela mandava matar. Deitava e rolava, fazia maldades atrozes e ia fundo. A Clara faz maldades com ela própria. A Beija também tinha prazeres. Era extrovertida. Em Guerra dos Sexos também foi uma delícia, um pastelão. Tudo o que é vigoroso e belo é atraente e gostoso de interpretar.
— Quais os trunfos de Torre de Babel?
— O texto de Torre de Babel é totalmente diferente das outras novelas do Sílvio que eu conheço. Ele é um autor de situações. Não é verborrágico, nem fica em considerações intelectuais. Os personagens dele não ficam conversando e falando o que vão fazer e o que estão sentindo. Vão e mostram o que estão sentindo. Têm ação na novela. É o que o diferencia de outros autores. Li 15 capítulos direto e fiquei exausta com tanta cena forte. Normalmente, novela é chatinha de ler. É mais gostoso de ver, talvez. É feita para ser vista e não lida. Lida é chato porque tem muita coisa do cotidiano. Já o Sílvio promove em cada cena um acontecimento.
— Tem alguma novela que você fez que achou chata?
— Várias. Mas não vou citar outros autores porque acho anti-ético. Tem até uma do Sílvio que achei chata, Sassaricando. Vinha de uma experiência impactante com dois personagens da época na Manchete, em Dona Beija e A Marquesa de Santos. Quando voltei para a Globo, foi a pedido do Sílvio. Ele mesmo depois me disse que me deu um personagem menor do que eu deveria estar fazendo naquele momento. A gente tentou consertar. Ele transformou a Camila e perguntou o que eu queria fazer: uma japonesa negra, hermafrodita, um homem... Acabou que ela virou uma mulher marcada no rosto porque tinha sido queimada, com peruca negra, sotaque meio húngaro e lente. Ele foi fazendo assim para animar, mas continuou chatinho.
— E o que a fez voltar a fazer novela?
— Estou mais segura e tolerante com meus erros. Quando não sai perfeito já sei que televisão é assim frustrante. Não dá para fazer 20 ótimas cenas. E se fizer 2 ou 3, já está muito bom. Teve uma época em que sabia que estava fazendo aquém do que eu podia. Saía muito frustrada. Sabia que podia mais, mas não como. Não tinha aquela disponibilidade interna da entrega que os personagens exigiam. Hoje em dia eu tenho e sei que não vou morrer nem ficar com hematomas internos se me entregar ao personagem. Mergulho mais profundamente.
Carinho materno
Existem duas fases distintas de Maitê Proença: antes e depois do nascimento da filha Maria, atualmente com 7 anos.
"Ela é minha prioridade" garante a atriz, orgulhosa. A dedicação à filha fez com que diminuísse o ritmo dos trabalhos longos da tevê. Apesar da pequena Maria, então com 11 meses, ter freqüentado os bastidores de Felicidade, a paulistana Maitê quer dar a Maria toda a atenção que não teve durante a infância em Campinas.
A atriz era filha de pais profissionalmente assoberbados — a mãe dava aula de filosofia, música clássica e era delegada culrural de 63 municípios, enquanto o pai era jurista. "Tive uma infância excessivamente independente. Só estou viva porque Campinas era naquela ocasião uma cidade tranqüila."
A atriz também credita à época de nascimento da filha o momento em que teve um insight profissional. Apesar de já ter quase 15 anos de carreira quando Maria nasceu, como desacelerou a profissão para cuidar da filha, garante ter acumulado uma carga de informações que está tentando utilizar agora como a Clara de Torre de Babel. "Quando a Maria nasceu, a única coisa que combinava com a maternidade era a espiritualidade. Tive de priorizar essas duas demandas", conta.
Entre as preocupações com a filha, obviamente está a orientação em relação à própria televisão. "A programação infantil hoje em dia é muito impactante e deixa a criança nervosa", acredita. A atriz garante que orienta o que a filha vê. Fora do cardápio estão as novelas, que nem a própria atriz tem o hábito de assistir. Mas entram desenhos animados, telejornal e Renato Aragão. Recentemente, Maitê fez uma participação no especial do trapalhão O Milionário e o Mendigo, como a feirante Zefinha. A atriz garante que teve uma experiência interessante ao assistir o especial em companhia de sete crianças, inclusive a filha, no sítio que mantém na região serrana fluminense. "Eles riam de chorar. Em termos de diversão infantil o Renato é o que há de melhor. É leve, tem qualidade e bom gosto. É o nosso Carlitos" avalia.
Mãos à obra
Até o ano passado Maitê Proença estava decidida escrever um romance. Rascunhou páginas e páginas, mas quando percebeu que estava apenas descrevendo situações superficiais no lugar de colocar alma no livro, resolveu dar um tempo. "Não estava indo fundo como queria. Primeiro fiquei entusiasmanda, mas depois achei ruim. Vou ter de retornar com menos preguiça e mais coragem", assume risonha.
Na prática já tem outros projetos em andamento. No segundo semestre pretende produzir e atuar na peça sobre a vida de Santa Tereza D'Ávila, que está sendo escrita por Eloi Araújo. A Santa foi a reformadora da congregação das Carmelitas. "Se passa na Idade Média, mas não é nada triste e sorumbático. Esses temas não precisam ser abordados de forma soturna" acredita.
O cinema também está entre os planos da atriz. Vai protagonizar e produzir um filme sobre uma grande história de amor, que ainda está sendo escrita. Além de estar avaliando o convite para uma produção americana de Los Angeles. De concreto, a previsão de estréia de A Hora Mágica, de Guilherme de Almeida Prado. No filme, Maitê faz a estrela dos estúdios da Vera Cruz, Laila Van, que atua em oito filmes durante a própria história. "A Laila é o lado meio cômico da trama. Foi ótimo", garante.