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Você é fashion?
Revista Época - 2003
 

Você está ligada na moda? É antenada com a tendência? Qual seu designer preferido?

As pessoas estão obcecadas por o que se usa, o que está em alta ou declínio na onda fashion. Leitores querem, editores pedem, e jornalistas pulam em cima para anotar grifes utilizadas por qualquer um que tenha vivido seus cinco minutos de fama. Antes de sair de casa, o famoso é obrigado a conferir a etiqueta de cada peça que veste, e ai dele se não reservar boa parte de seus rendimentos pra isso, porque o modelo escolhido pode determinar os rumos de sua carreira — se nada ali for Dolce, Armani ou Gucci, se for um Lojas Americanas, o famoso astro em ascensão será atirado à fogueira pública da breguice. Já se quem estiver usando for a Costanza Pascolato, a escolha terá sido exemplo de despojamento elegante! Tudo é relativo e fútil no vasto mundo das superficialidades. Pois esse é o lado chato da história, a patrulha de quem segue a boiada pisoteando o que não agrada a seu gueto de atrofiadinhos da mente — da mente que não pensa, a mente da massa que é burra mesmo, porque se pensar discorda, e aí não cabe mais ali. Nunca foi diferente, por anos a Alemanha inteira seguiu um homenzinho de bigode ao se esquecer de pensar por um tempo, com consequências um pouco mais desastrosas do que nos campos das ditaduras estéticas. Fazer o quê?

Deixe estar, companheiro, do outro lado da burrice existe a verdade. No caso da moda, o estilo de cada um é essa verdade. Você chega num lugar com aquele estilão só seu, e logo fazem uma leitura daquilo — é uma leitura limitada, claro, mas já é o começo de um encontro entre pessoas. O “não ligo pra aparência” da contracorrente só dificulta o início da comunicação num mundo que, mal ou bem, superestima essas coisas.

Li na revista Time que apenas 20% da comunicação humana é feita através das palavras, mesmo quando se está falando. Os outros 80% acontecem pela mímica corporal, a expressão do rosto, a entonação, as maneiras da pessoa e o que ela está vestindo, entre outros dados. Então, se já anda difícil a gente se compreender, porque ninguém quer ler os sinais sutis, e se isso de panos, cores e estilo é algo bobo pra você, por que não conceder justamente onde a coisa é cada vez mais importante para tantos? Por que não, se não dói nada, e você, meu príncipe, só tem a ganhar ao escolher seu jeito dentro disso?

É esquisito, eu sei, que, enquanto explodem prédios numa ONU em declínio, enquanto caem Saddams e sobem Bushs, enquanto guerras mentirosas nos são impostas, o mundo se julgue por meio de signos tão precários. É estranhíssimo que um mundo assim se deslumbre com passarelas de excentricidades têxteis e peitos perfeitos de supermulheres talhadas com bisturi e dinheiro, e, se você não quer compactuar com tanta contradição, fique à vontade. Eu mesma estava quase fazendo uma plástica pra alisar os sinais ao redor dos olhos e desisti. Minhas linhas que fiquem aqui mais um tempo, lembrando-me de quem sou, meus choros e meus recomeços. Farei concessões na marca do jeans, na combinação das cores, mas não quero uma cara fake de vinte a seduzir quem nem me interessa — a gente se curva onde pode, e isso também é estilo.

Dentro de mim há um clamor pelas coisas como elas são. Quero o pão com manteiga da fazenda de minha infância. Quero um colo de mãe farto e macio, com peitos murchos como devem ser os peitos de mãe. Aliás, cadê elas, as mães com cara de mãe e com tempo pra gente? Quero uma, pra me ouvir reclamar com saudade das conversas fiadas que nunca terei. Quero de volta três horas por dia, pra não fazer nada, e quero andar de carroça, vento no rosto. Você sabe que a velocidade média de um carro na cidade é de 17 quilômetros por hora, ou seja, igual ao da carroça do início do século passado? Nós andamos e andamos pra chegar aonde já estivemos — e com metade do prazer.

E o que isso tem a ver com o mundo fashion?

Também não sei, meu príncipe… Responda aí você que veio comigo até este ponto. Eu, aliás, já nem estou mais aqui, estou lá no meu canto sem grife, cheia de perguntas desantenadas e uma forte tendência pra lugar nenhum.