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Tempo de férias Assunto de viagem II
Revista Época - 2004
 

Berlim oriental
Fui passar um dia em Berlim Oriental, bem antes da queda do muro. Para quem não gosta de cinza aquilo parecia o fim da humanidade. Ao contrário da Berlim de cá, vibrante e cosmopolita, a de lá era uma cidade deprimida, presa ao fantasma de um Lenim pregado à parede de cada estabelecimento público. Não sei o que me deu, minhoca na cabeça, resolvi trocar dolar no câmbio negro. Esqueci que haviam contado meu dinheiro na fronteira e q teria de prestar contas. Na volta, os valores não batiam e pra piorar eu havia deixado minha mochila na estação de trem e perdido a chave do armário. Os guardas queriam me prender. Nervosa, não me vinha à mente palavra alguma em alemão além de kaput. Kaput era a minha idéia de como sugerir a eles que explodissem o armário para me restituir a bagagem, únicos pertences de uma vida de viajante!
Depois de muita gestikulaçon, enrolaçon, kaputs e semelhantes, consegui ir embora em liberdade.
A mochila é claro, ficou.

Amsterdan
Em Amsterdam acordei num desses hotéis pra jovens, tipo albergue. Entrei no banheiro e topei com um homem nu escovando os dentes, o bingulim balançando. Levei um susto, pedi desculpas e já ia saindo quando ele me olhou sonado, com uma cara de 'ahnn?' Voltei, tirei a roupa também, e pelada lavei o rosto e escovei os dentes como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo... E era.

Portugal
Virei macrobiótica em Portugal. Conheci um brasileiro e uma holandesa casados, que viviam numa aldeia da região do Algarve. Ali, todas as mulheres se vestiam de preto e toda a gente vivia a base de trocas, comendo o que era produzido dentro da comunidade. Trocava-se amêndoas por repolho, tomates por ovos. Na época, há mais de vinte anos, perto da capital, Albufeira, ainda havia lugares assim recolhidos.
Emprestaram-me uma casinha vazia que tinha a porta trancada - a janela era aberta e por ela eu entrava. A holandesa contou-me que havia se curado de uma cegueira com a alimentação macrô. Encantei-me. Por um mês mergulhei naquela forma de vida e até hoje carrego resquícios dessa temporada.

Inglaterra
Morando na França, costumava viajar nos finais de semana até a Inglaterra. Era um alívio para a sisudez do parisiense de rua. Os ingleses são tão amáveis! São gentis a um ponto quase cômico - over here darling, oh please dear, don't bother love - dava uma alegria aquilo... Passei muitos finais de semana em Londres - pra rir.

Suiça
Max, um amigo alemão, ia me ensinar a esquiar. Já havia sido instrutor de esqui e eu não podia estar em melhores mãos. Primeiro dia, Alpes suíços, Max sobe a montanha mais alta para uma demonstração de suas habilidades, e volta... de maca - os dois braços quebrados. Acontece que vínhamos da França, passando pela Suíça rumo à Alemanha, onde a mãe de meu amigo esperava pelo filho que não via há meses. Nosso carro até então era dirigido por Max, porque ele, e só ele, possuía uma carteira internacional de motorista. Era preciso avisar mamãe q não chegaríamos na data marcada.
"Hello, do you speak english? French? German! Oh...Ahn,ahn... Ich eine froinde Max, ya. Ahn Max ahn... ah é o seguinte, Max kaput".
A mulher desmaiou do outro lado!

Obs: não uso mais a palavra kaput.