A A A
Primeira amante
Revista Época - 2003
 

Eu gostaria de ser a mulher da primeira noite de um homem. A primeira amante. Hello Mrs. Robinson. Como estava bárbara a Anne Bancroft naquele filme. E digna mesmo com cara de vem cá meu bem. O Dustin Hoffman já era crescidinho. Acho que, hoje, não há com aquela idade rapazes que não tenham se iniciado no assunto. Então o meu garoto seria ainda mais garoto, com a imaginação tomada por sexualidades. Um menino de sonhos molhados e a boca seca, com medo. Seria pequeno. Não queira me linchar, é uma fantasia remota. É devasso que isso more aqui dentro de um desejo reprimido?

Ah, se não fosse a Anne Bancroft com aqueles olhares esplendidamente perversos. E aquelas pausas magníficas… com silêncios de alta voltagem. Dá pra ver os dois pensando — de um tudo. E ao mesmo tempo há algo ali de muito terno.

Silêncio! Não está me deixando fluir com tanto julgamento que lança em minha direção. Relaxe. Deixe a apostólica de lado, ouça um bocadinho, e então cate dentro pra ver se você também não tem as suas irreveláveis. A coisa preto no branco me espanta também. Com quem seria, que menino? Minhas amigas têm filhos dessa idade, eu não olho pra eles pensando isso. Se acontecesse, teria de me esconder atrás de um móvel, atrás de uma cara besta. Que besta! Seria feio, e meu desejo é bonito.

O meu menino é desconhecido. Eu o terei por um dia, sabe? Depois nunca mais. Ele não é magro nem gordo, alto ou baixo. É um menino comum sem nada de especial além do fato de ser quieto. O momento é diferente de tudo. É melhor que tudo. Tudo não existe, existimos ele e eu. Ele quer que passe logo. Que aconteça alguma coisa. Que ele possa morder, pular, que eu o deixe gritar, e que depois sufoque seus ímpetos nos meus peitos. Que de meus peitos saiam leite, e que ele mame até dormir.

E eu quero que ele se esvazie para encher-lhe os sentidos de hálitos e saliva, calor, suor… Eu o levarei para um lugar que há em cada um, onde a consciência se acalma e os sentidos afloram, bem devagar. Bem devagar, como uma dança redonda. Com água na boca, naquele dia inteiro eu vou fazer caber tudo que não se aprende pensando. Bem devagar. Passo a passo, como se eu fosse uma mãe indo embora, vou ensinar pro menino tudo que ainda não sei. Coisas de um amor sem vergonhas. Todas as coisas que só saberei quando ensinar pro meu menino, bem devagar.

Depois eu durmo.

E ele, feito homem, levanta e vai viver a vida.