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Peru de Natal
Revista Época - 2004
 

Tarde ociosa, almoço regado a cerveja, batendo perna com uma amiga, passamos em frente a uma loja de artigos sexuais. Sex shop. Bonecas infláveis, roupa de enfermeira, calcinha furada, e uma batelada de objetos que eu não fazia ideia de como utilizar. A amiga quis entrar. Para esclarecimentos. Não sou nenhuma inocente, aos 40 ou você é bem resolvida sexualmente ou dificilmente será. Mas, já tendo me entendido com a matéria, sou do tipo que, com um homem apaixonado a bordo, a proa do barco está naturalmente direcionada para a alegria, independente dos artifícios que se use ou deixe de usar.

No entanto, a curiosidade… Entramos.

Outro mundo. Detive-me de forma concentrada no setor de “paus”. Eram muitos, de todos os tamanhos e cores. Finos e longos. Grossos e brancos. Negros com bolas, com pelos, sem pelos, com e sem vibrador. Uma infinidade de pintos para gostos variados. Olhava aquilo com interesse quase científico quando interrompeu-me a amiga:

— Nunca se sabe, hein, num momento de carência pode jogar um bolão. Você dá um nome, vai se afeiçoando, se identifica.

Pois eu havia me identificado com um membro que parecia mesmo ter a ver comigo. Branco, caucasiano, tamanho bom, um pouco grande talvez, mas maleável, enfim, simpático. Levei para casa. E deixei num canto qualquer. Dias mais tarde lembrei-me do troço que não podia ficar jogado por ali, a empregada poderia ver… Desembrulhei. Quando vi a coisa fora do contexto, fora da loja que era cheia daquelas coisas… ele era enorme! Eu sou pequena. Era uma aberração. O que eu pensava que ia fazer com aquilo?

Não tinha como jogar no lixo. Os meninos da limpeza do prédio podiam encontrar. O lixeiro perguntaria de qual apartamento havia saído. Escondi. Dentro de uma bolsa que também não usava havia anos.

Pois há uma criatura que presta serviços de organizadora em minha casa. Organiza de álbuns fotográficos a calcinhas no armário. Faz tudo, conversando muito. Passo por ela e puxo um assunto, ela interage sem perder o fio da arrumação nem da conversa. Só uma vez vi a Teca se desarticular. Entrei no quarto e ela lá abrindo e fechando bolsas. Colocava as alças para dentro e recolocava no armário por ordem de cor e tamanho. De repente uma pausa. O corpo dela deu uma meia trava, parecia ter deparado com uma tarântula peluda.

— O que foi, Teca? — Ela me olhava fixamente sem dizer nada. — Fala, mulher, o que te deu?

Teca reabriu a bolsa que havia fechado abruptamente (para não sair a tarântula talvez) e tirou de dentro… Pois é. Estava imenso, parecia ter crescido durante o período de hibernação.

— Maitê, eu arrumo esse armário faz tempo e isso está aqui há três anos. Você não usa. Olhe só, está novo, na mesmíssima posição em que sempre esteve. Nós podemos dispor disso, não acha? É péssimo feng shui ter certas coisas em casa e não usá-las. — E balançava isso no ar como se eu já não o tivesse visto perfeitamente.

— Você tem razão. Não uso mesmo. Não tem como usar, concorda? Me dá aqui, coitado…

A época era de Natal.

Embrulhei o Fred (achei que ao menos para a despedida merecia ser batizado). Pois embrulhei bem bonito numa caixa com laço e enviei para uma amiga com um cartão escrito — “Seu peru de Natal”.

Recém-casada, ela preparava a ceia para a família de ambos os lados — iam se conhecer, sogras, sogros, filhos e tudo o mais. Nada mais apropriado para a confraternização que uma data como Natal… Atarantada com a organização da festa, recebeu o embrulho e deixou por ali para abrir mais tarde.

O marido, para agradar os filhos dela, que eram pequenos, e o dele, que passava fins de semana com ele, havia há dias adquirido um lindo cachorro de quatro meses todo branco e peludo. Uma graça.

O jantar corria magnificamente. Velas na mesa, comida perfeita, talheres de prata, flores e certa tensão cerimoniosa ainda entre as famílias que começavam a se conhecer, naquele clima de gente “bem” quando quer impressionar.

Lá pelas tantas nosso cão ártico entra na sala, lindo e lampeiro. Centro das atenções, pula muito e abana o rabão em deliciosa demonstração de alegria canina. O melhor amigo do homem. “É apenas um puppy, que fofo”, dizia a sogra de minha amiga, “mas o que é aquilo que ele tem entre os dentes?”

Na mesma noite, com a delicadeza que os homens têm ao se sentirem atacados em sua virilidade, o marido colocou minha amiga no olho da rua.

É possível que as coisas já não andassem bem no casamento, não importa; dali tirei uma lição que agora passo adiante:

Peru de Natal, como presente, só aquele que faz glu-glu.

Mas se, depois desse relato, alguém ainda considera ter o seu próprio dildo de plástico, um conselho: é como calça jeans. Se você avalia pelo espelho da loja, se acha esguia e poderosa, e compra aquele jeans que vai lhe atochar e que você não conseguirá usar. Portanto, fique atenta na hora de adquirir seu exemplar. Olhe-se antes, perceba-se e adquira aquele que servirá confortavelmente, como aquele james-jeans antigo, surradinho de todas as horas e batalhas. Assim também é com o pinto perfeito, seja de plástico, ou do modelo antigo, aquele que ainda vem com um homem atrelado atrás em carne e osso.