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Orgulho da raça
Revista Época - 2003
 

Que o Brasil é escravo de modismos todo mundo já está pelas tampas de saber. É no pensamento, nas roupas ou no jeito de falar a nível de, enquantoto pessoa, eu inclusive acho válido... ó Senhor livrai-nos! Pois de uns tempos pra cá parece que o preto entrou na moda. Não bróder! Não é na cor da blusa, é na da pele mesmo - o negão caiu no gosto do povo. Do povo branco digo, este que resolve as coisas e escolhe tudo que é fundamental, como por exemplo, fundamentalíssimo, qual a próxima novela que vai fazer a cabeça da gente. Ah tu não sabe? Pois chama-se "Da Cor do Pecado", e tem protagonista leve, solta e... negra! Falabela também, outro dia contou, que tem sinopse pronta, com elenco negro fazendo graça com assunto de negro. Estávamos eu e ele, aniversário de criança, morrendo de rir com as negritudes do texto por vir, e entra uma amiga com seu bebê - um moleque de olhão azul, gorduchinho e negro, que fez todo mundo ali querer sair correndo prum programa de adoção. É que black is beautiful minha gente! E sinto que o branco, esses dias, anda um tanto enfastiado com a própria palidez. Porque não tenho samba no pé? Porque não sei batucar, porque eu mancho no sol? Porque tenho que vestir tom sur tom, se no arrasta pé ali do lado ela está de calça branca apertada, blusa turquesa decotada e sandália de acrílico cor de rosa? Porque ela pode ficar três vezes linda e eu uma única vez - elegante e sem graça? Você conhece alguma banda chamada Branquitude Junior ou Raça Branca? Não há mais orgulho da raça, meu branco, deu o que tinha que dar! Camila Pitanga é a mulher mais linda do Brasil e ninguém contesta. E eu afirmo que a Naomi é a mais linda do mundo. Alguém contesta?

Fui jantar no Zé Machline e estava lá o compositor Altaí Veloso. Lá pelas tantas ele começou a contar a saga de um menino que sai da África e vai ao encontro de Jesus em Jerusalém. É uma ópera dele, ainda não encenada, que cruza a cultura Yorubá com a do Cristo judeu. O Altaí ia contando e cantando e eu por dentro ia virando toda amor, como se estivesse num templo de louvor à diferença das raças. A misturada que eu sou, brasileira que sou, vibrava com cada acorde de cada ária que o Altaí ofereceu naquela noite.

Pois eu estava aqui pensando nisso tudo de preto, branco, amarelo e etc... e me veio uma idéia assim:

Todo mundo devia nascer branco, branquíssimo, meio escandinavo. Aí com o tempo ia ficando pardo, e depois mulato, até que na velhice escurecia de vez e virava negão. Negão mesmo igual o Altaí. Os preconceitos iriam pro bueiro, e todas as raças teriam sua vez de brilhar num esquema mais honesto do que este que está aí. O pirralho de olho azul e cabelos louros encaracolados ia escurecendo até virar uma Camila/o pela adolescência. Com uns 35 já era um mulatão arretado, e lá pela Tonia Carrero virava um negro retinto e enxuto como sempre acontece. Ia dificultar pra mentir a idade, mas mentir pra que se acabariam-se as rugas, a flacidez da pele, os cabelos brancos e aqueles sinais todos de decrepitude que nos incomodam? Compare o Papa com o Nelson Mandela e veja se não há vantagens na minha proposta. Depois repare no Michael Jackson que fez o contrário... A engenharia genética ta aí brincando de Deus por tanta inutilidade. Veja a Dolly coitada, morreu - e morreu cedo! Bem feito, ficar gastando o dinheiro da gente pra duplicar ovelhas. Francamente! Então, concluindo minha teoria para evolução das raças, a medida que os anos fossem passando, a pessoa ia adquirindo no espírito características orientais. Assim, teríamos crianças de índole inconseqüente, como devem ser as crianças, adultos investigativos, já com as sementes do que serão, e mais tarde velhos sábios e úteis, como são os velhos dos povos de lá. E nas exterioridades teríamos, o branco, o mulato e pro fim um belo negão de alma amarela e o terceiro olho puxado.

Não andam misturando tudo em laboratórios? Pois estou convencida que um shake de Naomi, Mandela e Dalai tem tudo pra dar certo.