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O Marcelo e o Dudu
Revista Época - 2004
 

Quer dizer que o Dudu, 50 homicídios nas costas, recebe indulto de natal pra visitar a mulher e os filhinhos, enquanto meu colega Marcelo Anthony, vira pauta de programas televisivos de 5ª categoria, onde débeis mentais discutem se ele, acusado de comprar maconha, será má influência para o filho recém adotado.

Em 1º lugar, se existe uma lei para separar usuários de drogas de seus filhos, como é que a 'justiça' dá um mole desses pro Dudu, traficante de tóxico em quantidades industrias, que ainda por cima mata queima e esfola sem piedade, em quantidades igualmente industriais? Dudu fugiu, e está por aí fazendo um estardalhaço bélico pelos morros da cidade, sendo péssima influência, não só para os dele, como para todos nossos filhos confinados pelo medo.

E o Marcelo, vocês conhecem? Eu conheço. O rapaz leva a vida mais careta que o gerente do meu banco. Concordo que marcou uma touca, e no pior momento possível, mas quanto ao menino que ele e a Mônica adotaram, e que foi assunto nas rádios e programas de auditório de nível térreo por vários dias, a conversa é muitíssimo diferente. Esta criança chegou a eles nervosa, hiper-ativa, e aos oito meses, não sabia sequer sentar. Com aulas de natação, orientação especializada, carinhos, e quilos de amor, Francisco estava andando dois meses depois. Eu vi a transformação! Hoje, com um ano e meio, o que se percebe, é uma criança adaptada, calma e feliz. Esse menino foi pinçado do abandono, pelo amor e a dedicação dos pais com que a sorte lhe presenteou.

Então quem são essas criaturas com seus programas de futrica, pra deliberar sobre a habilidade de um pai trabalhador, idôneo e amoroso, em criar seu filho? O que é que essa gente entende da vida, e com que categoria moral vem fazer julgamentos de valor - essas pessoas que saíram do anonimato outro dia Deus sabe como?... Marcelo cometeu um deslize, se é que ele estava mesmo comprando maconha (por enquanto o que houve foi uma acusação), e foi preso por falta de sorte, porque se gostasse de chope, estaria num boteco bebendo com os amigos e ninguém ia enfiá-lo numa penitenciária por isso. Aliás, está cheio de pai de família que enche a lata de droga legalizada no almoço de domingo, sai dirigindo doidão com os filhos no banco de trás, e fica tudo por isso mesmo.

Não faço aqui um manifesto a favor dos maconheiros do Brasil. Acho até que nesse momento, o usuário de droga ilegal deveria interromper seu uso até as coisas mudarem. 80% dos consumidores usam droga de forma recreativa, e não tendo o vício, podem, se quiserem, não enfiar o pó malhado no corpo.

Desnorteie sua caretice intrínseca, companheiro, tomando um lexotan ou uma cachaça, e na hora da lucidez, use a cachola pra discutir a legalização da maconha, por exemplo. Queiram ou não queiram os mal informados, a maconha é uma droga leve, e por isso, seria um bom ponto de partida para a experiência de transformação social que se mostra necessária. Você que não gosta dessas coisas, pense um pouco. As pessoas consomem drogas desde o início dos tempos, todo continente tem uma erva, uma bebida ou uma planta que altera a consciência, e afasta as tensões dia a dia. Sempre houve e haverá quem faça uso, e a proibição não impede que isso aconteça. É verdade que as drogas que mais destroem são justamente as legalizadas, e que 50% das mortes violentas ou acidentais no Brasil, envolvem uso de álcool. Outro dado surpreendente é que a maior aflição das indústrias tabagísticas não é com processos por doenças relacionadas ao fumo, mas com o contrabando de cigarros importados ilegalmente, mostrando que o problema do tráfico também não se interrompe necessariamente com a legalidade. A questão é complexa e exige uma discussão ampla, sem os preconceitos de praxe. Minha humilde opinião, no entanto, é que as leis que hoje proíbem, deveriam restringir-se a impor limites e controlar a venda, para que o acesso não seja facilitado a crianças, adolescentes e pessoas com quadros confirmados de dependência, como ocorre agora na era do fascínio pelo proibido. São 40 milhões de reais movimentados semanalmente com o comércio de entorpecentes, só na favela da Rocinha! Toneladas de maconha estão incluídas aí, dando lucro pra traficante fazer guerra na cidade! O bebum paga imposto, o fumante de cigarro e a dona de casa também. Eu e você pagamos. Nós construímos as escolas, os hospitais e suamos a camisa por uma paz social que não vem nunca. Talvez tenha chegado a hora de botar essa gente do morro e do asfalto, os que vendem e os que usam, pra contribuir também.