A A A
Por um macho viril
Revista Época - 2003
 

É muito chato ter que passar a vida correndo atrás de um tipo que teu corpo não tem inclinação para ser.

É muito chato qualquer coisa que vá contra a natureza e que a gente se flagra fazendo pra agradar a um bando de tontos. É muito chato se perceber sufi cientemente tonto pra isso. Mas a gente é fútil e a pressão é forte. O jornal de hoje avisa, como se não houvéssemos percebido, que o novo padrão de beleza é o da mulher esguia, de pele clara e olhos idem, com o jeito de mexer gingando e um sorriso de vem cá meu bem. Ou seja, o que anda chamando para o sexo é a mistura de um visual europeu com molejo brasileiro. Porque essa fissura com bonito e feio é toda em função de se fazer sedutor para o outro, uma ideia fixa que parece vir do berço — a gente já nasce chorando e deve ser pra seduzir a mãe. E pra quê? Pra conseguir um peito. Não é para sexo o peito, não propriamente, mas não deixa de ser um peito o primeiro objeto de nossos desejos, e não, por exemplo, um menos erótico dedo ou cotovelo.

Pois eu não vejo a hora de me livrar dessa propensão erótico-compulsiva. Uma amiga diz que agora, aos 70 anos, se sente conciliada com o que é. Está feliz, e sabe por quê? Não se interessa mais por sexo.

— Passei a vida seduzindo as pessoas, gastei-me nisso. Agora sobra tempo pras coisas de que realmente sempre gostei. Converso com os amigos desinteressadamente, leio tudo que não consegui quando tinha que estar em todo lugar, ando por aí observando o mundo, e transo também se der na telha, em geral não dá.

Minha amiga não está fazendo a apologia da velhice porque ficou velha. Apenas, quanto ao sexo, sublimou-o porque percebe agora que tem coisa melhor a fazer! Além disso há outros pormenores, mas já chego lá.

Estive no coração da Amazônia com um companheiro lindo e alto (como exige o padrão). O índio que nos guiava, olhando para aquela tradução masculina de perfeição urbana, disse que não gostaria de tê-lo como amigo, porque ali na floresta com aquele tamanho ele só ia atrapalhar. O bonito lá é ser pequeno e meio pardo, pra passar despercebido, desvencilhar-se da mata, e correr com agilidade. Bonito é levar caça pra casa, e ter saúde e força na medida suficiente para servir aos seus, nada a ver com o tamanho do bíceps, do tríceps, ou metragem de perna. O índio bonitão tem desejo sobrando na ponta da espada pra fazer indiozinhos sem fim, numa morena que conhece desde o dia em que nasceu. E a novidade fica por conta do jeito como ele vai pegar na coxa dela, do cheiro que sairá de suas bocas na hora da vontade, e do suor que irá pingar no mexe-mexe.

E pensar que os rapazes da cidade andam suando a insegurança em academias de vaidade, pra caçar gatas siliconadas, lipoaspiradas e quimicamente alteradas, que gozam mais fácil olhando pro espelho do que em suas companhias. Cadê aquele macho de outrora que gostava de mulher? De mulher mesmo do jeito que a natureza fez? Mulher de imperfeitas feminilidades, uma diferente da outra, mas todas cheias de truques que invariavelmente se desvelavam na intimidade do amor. E quem ligava pra isso? Ninguém! Eram tempos de virilidade e tesão. Pois se foram, minha gente. A próxima geração de mulheres, pra não decepcionar os machos de agora, terá de vir transgênica. Será uma mulher geneticamente manipulada com panturrilhas, peitos e bundas já siliconados e todo o resto lipoaspirado, inclusive o cérebro, que é pra não ameaçar ninguém.

Reconheço que ficou difícil pra você, macho urbano, mostrar-nos sua virilidade. Faltam oportunidades. Verdade também que você é sofisticado e tem a vida bem mais complexa que a do índio de minha história ou a de um macho rural com suas quatro certezas e não se discute mais isso. Além do mais, ser viril onde, se não tem caçada, não tem lança, nem tem boi pra derrubar? Lá vem você com seu carrão de 270 cavalos, quando uma mulherzinha lhe atravessa a preferencial. Sua macheza recolhida quer correr atrás, pegá-la pelos cabelos e passar-lhe a tropa em revista pra que aprenda a ver quem é que manda aqui, poxa! Mas a civilidade o obriga a sorrir cavalheirescamente, enquanto enfia 270 rabos entre as pernas e vai deixando por isso mesmo. Não é justo, meu macho, afinal, quem manda aqui é você, sempre foi e sempre será! Se eu jurar respeito à sua superioridade, você jura que não me deixa partir pra sublimação sexual? Jura que seu instrumento se elevará diante do meu desejo despido e meu corpo à vontade? E posso ser uma mulher de imperfeita verdade?

Pois então eu juro! (Com os dedos cruzados de verdade.)