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Leão na Savana
Revista Época - 2005
 

As férias seriam no Havaí com namorado e filha, mas no tumulto do final de ano, hotéis lotados, aeroportos idem... fomos pra Angra. Todas as manhãs eu nadava em torno da "nossa" ilha - Éden solta no mar - e todos os dias voltava refeita e feliz. O sal, o iodo, as braçadas, a imensidão das águas, a ausência de limites, tudo é muito curador. E há o oceano em si, com o que acontece dentro dele, que visto por uma máscara, pode ser mais exótico do que uma caminhada em Pekin. Então, não estive no Havaí, mas a cada manhã de mar eu vagava pra muito muito longe daqui. Tão longe quanto o casal que foi salvo do tsunami natalino por estar mergulhando nos mares da Tailândia - nadavam submersos a 20 metros da superfície, que é onde ficam as belezas por lá, qdo as ondas mortíferas passaram 10 metros acima de onde se encontravam. O casal foi salvo pelo exotismo do mar que os abrigava, e ali - já estive - a paisagem é quase psicodélica tamanha a variedade de cores em movimento. [Essa história foi pra mim um parêntese de magia no meio daquela tragédia feia].

Da ilha rumamos para o continente, ainda à beira mar. O exotismo ali tb estava presente mas era de outra natureza ficando por conta dos convidados de nosso anfitrião. Hospedavam-se na casa, além de nós, uma cantora funk, um lutador de sumô, um phd em ciência, uma economista, e um sapateador espanhol. O amigo que nos recebia é criador de cachorros e possui 40 animais, todos de raça, sendo uma espécie diferente da outra. Da mesma forma, deduzo, escolhe seus convivas, tudo gente boa, mas afinidades que se vejam, quase nenhuma. A mistura, para a surpresa de todos, foi de uma harmonia desconcertante.

E agora voltando pra casa, após o ócio, penso em quanto ele me é benéfico. Baixo do arquivo lentamente as coisas que me ocorrem quando nada tenho a fazer, as considerações que acontecem qdo as horas são elásticas, o q se assimila dos outros numa conversa jogada fora, as sensações que o corpo armazena no instante da pausa...

Eu adoro olhar pro infinito com a cabeça vazia, e pra dentro do mar azul... E amo balançar na rede futucando o dedo do pé como se nada houvesse de mais importante. Sinto que é nesses momentos, qdo o universo fica sutil, que aflora o melhor de mim. As obrigações do dia a dia me constrangem, a agenda repleta me embrutece e faz-me sentir inútil; qto mais preenchido o tempo mais há por fazer, e o que há pra fazer não me parece relevante.

Vejo na tv a cena de um leão cruzando a savana e sinto uma inveja ancestral.
Preciso do ócio para evoluir.