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A Idade de ouro
Revista Época - 2003
 

Sei lá porque eu escrevo essas coisas íntimas. Me pediram coisas de mulher e mulher é íntima. E eu sou mulher oras. Se falar de futebol americano será assunto de mulher. Aliás não é má idéia. Aquelas filas de homem, olho no olho, concentração monástica, que ao som de um comando desandam a correr furiosamente até cair empilhados um sobre os outros. Touch down, tackle! Quem ganha? O brutamontes que consegue ficar embaixo de todo mundo sem morrer sufocado? Brincadeira rapazes, sei como é, já até joguei no time da escola, era quarter-back. Sério!

Por falar nisso recebi um email que tem a ver e que vou transcrever aqui. Não é falta de assunto, juro. É que gostaria de ter escrito parecido, mas alguém pensou antes, então...

Isto é para os nascidos entre 1950 e 1970. Remanescentes da idade de ouro. Se você não nasceu nestas épocas, não importa, leia e sinta a diferença! Olhando para trás, é duro acreditar que estejamos vivos até hoje. Nós viajávamos em carros sem cintos de segurança ou air bag. Não tivemos nenhuma tampa a prova de crianças em vidros de remédios, portas, ou armários, e andávamos de bicicleta sem capacete. Sem contar que pedíamos carona. Bebíamos água direto da mangueira e nos riachos, e não da garrafa, ou em copos descartáveis. Gastamos horas construindo nossos carrinhos de rolimã para descer ladeira abaixo, e só então descobríamos que tínhamos esquecido dos freios. Depois de colidir com algumas árvores, aprendemos a resolver o problema. Saíamos de casa pela manhã e brincávamos o dia inteiro, só voltando quando se acendiam as luzes da rua. Ninguém podia nos localizar.

Não havia telefone celular. Nós quebramos ossos e dentes, e não havia nenhuma lei para punir os culpados. Eram acidentes. Ninguém para culpar e processar, só a nós mesmos. Nós tivemos brigas e esmurramos uns aos outros e aprendemos a superar isto. A amizade continuava a mesma... Comemos doces e bebemos refrigerantes, mas não éramos obesos. Estávamos sempre ao ar livre, correndo e brincando. Não tivemos Playstations, Nintendo 64, vídeo games, 99 canais a cabo, filmes em vídeo, surround sound, celular, computadores ou Internet. Nós tivemos amigos. Saíamos, e os encontrávamos. Nós íamos de bicicleta ou caminhávamos até a casa deles e batíamos à porta. Imagine tal coisa! Sem pedir permissão aos pais... por nós mesmos! Lá fora, no mundo cruel! Sem nenhum responsável! Como fizemos isso? Nós corremos, brincamos e inventamos jogos com varas e bolas improvisadas, apanhamos do chão e comemos frutas caídas. E embora nos tenham dito que aconteceria, nunca passamos mal, ou tivemos dor-de-barriga para sempre, ou uma contaminação fatal! Nos jogos da escola, nem todo o mundo fazia parte do time. Os que não fizeram, tiveram que aprender a lidar com a frustração... Alguns estudantes não eram tão inteligentes quanto os outros. Eles repetiam o ano... Que horror! Não inventavam-se testes extras nem aprovação automática. Nós éramos responsáveis por nossas ações e arcávamos com as conseqüências. Não havia ninguém que pudesse resolver por nós. A idéia de um pai nos protegendo, se desrespeitássemos alguma lei, era inadmissível! Nossos pais protegiam mais as leis do que a nós! Imagine! Nossa geração produziu alguns dos melhores enfrentadores de risco, negociadores de soluções, criadores e inventores!

Os últimos 50 anos foram uma explosão descomunal de inovações e novas idéias. Foi o esplendor da criatividade humana... Foi a verdadeira Renascença da humanidade! Tivemos liberdade, fracasso, sucesso e responsabilidade, e aprendemos a lidar com tudo isso... A VIVER, enfim! Você é um deles. Parabéns! E parabéns a todos que tiveram a sorte de crescer como crianças...

Enquanto isso aqui em casa, tempos modernos, tempos urbanos, uma amiga de minha filha, 11 anos, menstrua pela primeira vez. Sim porque até isso agora acontece mais cedo. Naquela época não descia antes dos 14. De qualquer forma, a criança tinha uma viagem de escola marcada no dia seguinte pro pantanal. Sabe qual a primeira pergunta que ela fez ao perceber a surpresa que sua puberdade precoce acabara de lhe preparar?

- Será que quando eu entrar na água dos rios, a piranha vai me atacar?
E começando por ali?!