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A Gestão da Escassez
Revista Época - 2005
 

E foi-se um mês. Às voltas com a turnê de minha peça de teatro não reparei na passagem dos dias. Mônica escreveu por mim na revista - obrigada - e agora é hora de ter assuntos, uma idéia inteligente costurada nos dias de ausência.

Mas olhando pra fora em busca de novidades noto q o país tb não se tocou da andança do mês. Ligo a TV a procura de um tema. O Zé Dirceu explica q é bom rapaz, em outro canal, Lula repete sua aversão a problemas - deveria ir pra Flórida treinar golfinhos - adiante vejo q os larápios continuam saindo do mesmo armário, mudou só a prateleira, agora é a dos ministros.

E ainda, Jô Soares entrevista Daniela Cicarelli sobre... ahn... ela está se lançando como atriz? Escritora? Tem um programa novo, algum projeto? Não. Mas se até o Jô anda apelando na aridez deste deserto, eu, recém-chegada do faz de conta, vou preencher essa folha com que? Difícil. A coisa está feia na linda nação.

E parada. Caiu a esperança na utopia e não há políticas consistentes surgindo na linha do horizonte. O povo está descrente e derrotado pela falta de tudo, mas, principalmente, pela ausência de educação. Uma gente sem cultura não sabe cobrar o q lhe é de direito. O indivíduo aceita qq proposta q pareça salvadora pq quem propõe parece saber mais do q ele.

Os burros n'água ano após ano produzem egoísmo na gente e descaso com o porvir e num país sem futuro as pessoas se interessam pelo q não interessa - querem coisas só pra si, querem errado, e querem pra já. Desejam uma casa ao invés de um lar, uma posição ao invés de respeito, remédios milagrosos no lugar da saúde.

Os jornais e revistas falam de regimes, cirurgias plásticas, o que se está usando e o q não se pode usar. A moça namora o famoso e ganha um programa na tv onde fala de regimes, cirurgias plásticas, o q se está usando e o q não se pode usar. Seus convidados afetados falam pelos cotovelos para ganhar tempo de vídeo e conquistar benefícios em suas vidas público-particulares (conceito possível apenas em países impossíveis). Há muita maledicência embutida na falação. Normal.

Não sabendo como sair de suas medíocres condições, as pessoas relativisam: pioram os outros pra se destacar. É a gestão da escassez. O que aconteceu com aquele brasileiro generoso, inteligente e cheio de graça? Parece que foi-se na virada das páginas e nas poltronas de tv. Será possível? E ninguém vai gritar? Quando vai cair a última gota pra mobilizar a elite silenciosa, aquela que não sai nas revistas de futilidade, mas pensa e propõe soluções? Qdo brotará uma contracorrente com entidades que se oponham à barbárie cultural?!

Verdade que o problema não é só nosso (só nossa é a falta de qq reação a esse mundinho ordinário). Infelizmente, no resto do mundo os meios de comunicação tb se banalizaram piorando a sociedade e criando indivíduos muito infelizes. Há uma relação estreita entre bem-estar e televisão (e revistas, jornais, Internet, etc.). Quanto mais vê, mais a criatura se sente miserável ao se comparar com celebridades e milionários e não apenas com o vizinho como acontecia outrora. Há 50 anos as pessoas tinham 1/3 do que têm hoje e sentiam-se mais ricas e satisfeitas. Hoje se eu tenho muito dinheiro, quero ter ainda mais. Se, por outro lado, tenho muitos amigos, eles me bastarão. Então na atual trama das aparências q mexe o mundo, o lucro a todo custo e o medo, precisam sair de férias. Se eu puder enxergar o lado bom das pessoas e me ligar a isso ao invés de ver nelas uma ameaça, estarei menos isolada, farei parte da minha tribo, e serei bem mais contente. Se eu criar minha filha com dedicação e conseguir ser gentil com meu parceiro, se for mais eficaz em meu trabalho, se tiver atitudes que nasçam da bondade e não da busca por uma recompensa, estarei dando meu quinhãozinho por este doente terminal que é a sociedade de agora. Isso parece papo de avó e talvez seja. Mas quem sabe a vovó já não soubesse das coisas lá nos idos do passado? E quem me garante que a vovó não é a única luz de sabedoria nesse túnel de mesquinhez?