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A galinha e o veado
Revista Época - 2003
 

Esta estória da galinha e do veado, da prefeita e do ministro, da Marta e do Marcio, está na cara que é um mal-entendido. Em primeiro lugar, ninguém estava querendo chamar a prefeita daquilo. No máximo a penosa sugeria um despacho de umbanda tipo xô prefeita, voa daqui que não gostamos de você. Nada mais normal - numa democracia há os que não gostam. Nesse caso, o fato da galinha ser preta, talvez tenha até algum significado - merece verificação. Já na hipótese de xingamento, a cor da galinha vem a ser irrelevante. Poderia ter sido uma galinha branca, ou uma ave amarela e vermelha, combinando com o traje da prefeita na ocasião. Também, não acho que o ministro tenha qualquer coisa contra a comunidade gay como andaram sugerindo. Aliás conheço-o bem (era grande amigo de meu pai e freqüentamos as casas um do outro na minha infância) e sei que é um homem de mente arejada. Mas imagine só, uma galinha carcarejante voando na sua direção no meio de uma cerimônia daquelas... Você também perderia o rebolado. No afã de defender a prefeita, o ministro usou um exemplo infeliz. Normal também gente! Inclusive tudo poderia ser muito pior se ao invés de exemplo ingrato, o veado houvesse de fato sido atirado no lugar da galinha. Aí sim teríamos um problema não só de protocolo ou mal-entendido, como também, possivelmente, de homicídio. Deus me livre, mas nossa linda prefeita (não se esqueçam que já tivemos uma Erundina), nesse momento poderia não estar mais entre nós. Agora, cheios de pesar, estaríamos discutindo não só o impacto moral de tanta descompostura cívica, como também o impacto físico do animal sobre o corpo de Marta Suplicy. Com quantos kg se derruba uma prefeita do PT? Isso tudo, sem falar no abalo para a música popular brasileira. Sim porque, não quero nem pensar, mas como reagiria Supla tendo a mãe sido alvejada por um veado?!

O fato é que as pessoas adoram um mal-entendido, e quanto mais constrangedor, mais elas insistem no assunto - até parecer verdade. Há revistas inteiras que vivem disso, fazem dinheiro com isso mas não passam de altares para a maledicência.

Agora falando sério, as mídias de comunicação nunca estiveram tão sofisticadas e nunca as pessoas se desentenderam tanto. Fazem mal uso da palavra, prestam maus serviços nos setores de atendimento público, estão desconcentradas e desestimuladas. Posso estar enganada, mas acho que os telefones celulares têm mais a ver com isso do que parece. No Brasil ao menos, onde eles têm predominância sobre tudo, tenho quase certeza de que é assim. Você está conversando com alguém, toca o mal-necessário, e seu interlocutor interrompe o assunto para atender um intruso que ele nem sabe quem é. Este é o único lugar do mundo onde uma porcariazinha eletrônica, tem primazia sobre a conversa de duas pessoas. Sem entrar no quesito falta-de-educação, e na chatice que é sem igual, não há concentração que resista a tanta interferência de 10 em 10 minutos. Ai que saudades da telefonista do interior. A de Ubatuba chamava-se Gislene, era novinha, eu tinha dez anos ela devia ter uns 16. Volta Gislene, volta que eu te dou um emprego no intervalo do meu stress.

TRIM
Alô...
Era engano.

Onde eu estava?

Ah sim, desculpe, tergiversei um pouco - sinal dos tempos. Mas voltando à polêmica da galinha e do veado, que afinal, nos trouxe até aqui... Eu não queria ter que me estender em assunto tão sinistro, mas acho que é nosso dever sermos positivos nesta vida. Então, para os que nesta questão de interesse nacional, insistem na versão da galinha como xingamento, imaginem por um instante, se para maior eloqüência, houvessem arremessado uma vaca!