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Movimento dos sem emprego
Revista Época - 2005
 

Sou cidadã brasileira, observa dora, crítica e preocupada com os caminhos do meu país. Tenho conversado com gente do campo e, como outros, também estou assustada com a mansidão do governo diante da garra apaixonada com que se move o MST. Opino aqui porque não tolero ver o meu país afundado num caos de equívocos.

O setor agrícola é dos que melhor funcionam no Brasil. Segura a onda de nossa economia deficitária como maior produtor e exportador de açúcar do mundo. Da mesma forma de suco de laranja e de café. Somos o terceiro maior produtor de carne, e este ano, em função da seca na Austrália, seremos possivelmente o maior exportador. Estamos entre os maiores produtores e exportadores de frango e soja. Os EUA e a China produzem mais, mas não exportam a soja, que, no caso do Brasil, traz divisas compensatórias das instabilidades da indústria, por exemplo. Há décadas, quando as pessoas começaram a fugir do campo pra trabalhar na cidade, a realidade era outra. Não havia do que sobreviver no campo, e, nos centros urbanos, a indústria, em princípio de expansão, precisava de braços trabalhadores. Hoje, quando uma Volkswagen demite milhares de funcionários, essa gente não é a mesma que veio da zona rural há trinta anos. É uma geração adaptada aos centros urbanos, que nunca viu uma enxada e tem horror a ela; não seriam produtivos embaixo do sol quente dia após dia caso resolvessem experimentar. Juntam-se ao MST, muitas vezes, não por ideologia e muito menos por saudade de suas raízes, mas porque, não tendo nada mais a perder, sobra-lhes a chance de, quem sabe, ganhar uma terrinha pra vender depois e fazer um troco. São os MSE, de sem emprego, porque a cidade vai mal! Se nos anos de Juscelino a indústria automobilística tivesse sido implantada no Nordeste, onde a natureza não favorece a atividade agrícola, teríamos evitado o êxodo para o sul, fornecido emprego a milhões com indústrias-satélites que nasceriam a reboque, e com os impostos arrecadados ali mesmo ainda se poderia ter remediado a seca. São Paulo não estaria soltando gente pelo ladrão e o emprego estaria bem dividido pelas cidades de todo o país — essas cidades com atrativos modernos de que todos queremos usufruir. Inês é morta. Mas, já que as cidades precisam desinchar, e que a alta dos juros, a indústria capenga, o modelo econômico inteiro precisam ser remodelados, consideremos aqueles indivíduos que de fato desejam voltar ao campo. O governo doa um pedaço de terra para a família do Antônio. O Antônio, que é safo e tem filhos prestativos, dispostos a acompanhá-lo, começa a produzir amendoim e abóboras em sua terra boa pro plantio. Com o resultado da colheita perfeita, no caso de as condições meteorológicas daquele ano se mostrarem benévolas, Antônio carrega seus produtos à cooperativa agrícola da cidade próxima ao seu sítio. Carrega embaixo do braço, porque nem o governo nem o MST deu a ele um trator, o que dizer um caminhão. Não há dinheiro pra fornecer a cada pequeno produtor, além da terra, o equipamento moderno de que precisa (é o que Antônio ouve sempre que reclama da falta de infra). Mas tudo bem, isso não o impediu de produzir. Então Antônio tenta vender seus produtos um pouco acima do que lhe custou a empreitada. Perplexo, descobre que seu preço é caro e está mais alto que o de mercado. Mesmo a preço de custo, não será competitivo. Depois de sucessivos malabarismos pra sobreviver com sua família no campo, Antônio vende sua propriedade e volta pra cidade, onde também não encontra o que fazer. O que fazer?

Tenho minhas críticas aos métodos de alguns movimentos sociais. Há leis aí para serem seguidas e um processo a ser conquistado, inclusive para ajudar na manutenção dos milhões já assentados que precisam de condições de sobreviver onde estão. Muito há a se fazer antes de partir pra guerra, atropelando a Constituição e derrubando a locomotiva agrícola que puxa os demais setores do país. Ainda existem latifundiários coronelistas e isso deve acabar. Mas já são poucos. O produtor rural de hoje apenas gera a riqueza. Quem ganha o dinheiro grosso é o exportador dessa matéria-prima, o fabricante de suco, no caso da laranja, os frigoríficos, no caso da carne, e assim por diante. A maioria dos fazendeiros mal se sustenta — não são ricos, carregam o estigma apenas. E em muitos casos, se não trouxerem dinheiro de outras atividades pra dentro de suas fazendas, são obrigados a arrendá-las para usinas de açúcar, transformá-las em hotéis, ou vendê-las para aplicar no mercado fi nanceiro, arriscando dinheiro pra fazer dinheiro. Muitos vão à falência nesse processo. Alguns, bem-sucedidos, produzem e exportam os produtos dessa terra abençoada que a natureza nos deu. Essa terra que é de todo brasileiro, mas é, sobretudo e por direito, dos que sabem cuidar dela e que, grandes ou pequenos, precisam de meios para fazê-la frutificar em benefício de toda a gente.

Todos devem ter onde morar e do que viver. Mas, por serem desfavorecidos e por qualquer outra circunstância, não estão automaticamente autorizados a praticar desmandos contra o Estado de direito para se darem bem. Eu também amo o meu país. Não sou pobre e nunca fui, mas sofro genuinamente com a pobreza do meu povo, com o descaso e com as injustiças dessa sociedade que não presta. Mas guerra é pra profissas, para os que têm fome de destruição, pros Bushs da vida, que tentam desarticular o mundo, pros loucos. Nós, da tropicália esplendorosa, por Nossa Senhora Aparecida, vamos reformar com equilíbrio e cuidar com delicadeza das farturas que Deus nos deu.