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Bumbum
Revista Época - 2004
 

— Qual a diferença entre a bunda da Juliana Paes e a bunda do Gerald Thomas?

— Ok, foi mal.

Recomeçando, o que é uma bunda senão duas bolas de carne com um orifício no meio? É certo que tenha funções importantes para o corpo, mas a mão também tem, assim como o cotovelo e as costas. Por que então tanta comoção cada vez que surge um bumbum novo na praça? São aplausos de deslumbramento ou grunhidos de desapreço, sempre uma atitude exaltada. Quando o diretor Gerald Thomas exibiu o traseiro no Municipal anos atrás, a imagem correu o mundo, figurando nos principais jornais da semana seguinte. Será que a plateia teria ficado tão indignada se a bunda em questão fosse da Juliana Paes ou da Globeleza? Duvido! O arrebatamento ali veio acompanhado de falta grave, crescente a cada verão, que vem a ser a discriminação bundística. Uma bunda carnuda e firme teria sido aplaudida no Municipal como acontece na Sapucaí, no calçadão, nas revistas e a cada virada de pescoço do Mané da esquina. Aquele rebuliço, as acusações de desacato, só ocorreram porque o bumbum do Gerald é pálido e murcho, nitidamente um bumbum de fumante. Aliás, se fosse pra fazer uma charge…

Minha gente, Deus é justo e deu uma bunda a cada ser, sem distinção de classe, credo ou cor. Poderia até se dizer que a bunda nos iguala, não fosse pela rotunda diferença que há entre um bumbum empinado e outro caidão. Não, irmão, apesar de existir igualmente em toda espécie, este símbolo sexual apenas aumenta nossas diferenças — a bunda não é democrática! Todos a possuímos, mas pra que serve, por exemplo, uma bunda velhusca? Para nada! A bunda de hoje, como se vê cada vez mais abundantemente nas revistas, tem que ser jovem, dura, e, atenção, disponível! Gisele Bündchen, a beleza mais aclamada da década, tentou guardar seu bumbum para si, talvez por considerá-lo fora das proporções ideais, e o que se ouvia? Esconde porque não tem, é magrela demais. Esperta como ela só, a moça deu logo um trato no traseiro, empinou-o em campanha de lingerie, e pronto, foi o que bastou pra reafirmar-se para sempre como deusa da perfeição. Eu mesma já sofri na pele com a discriminação bundística. Por anos e ânus, fiz sucesso por aí vestida e despida sem que ninguém reclamasse de minhas formas, ao contrário. Há tempos, no entanto, notei que os convites minguavam, ou pela primeira vez era chamada para locuções e dublagens em que eu seria a voz sexy por trás da figura animada da tela. Andava encantada com as coisas do espírito, e sem perceber havia me descuidado do resto. Espiritualmente evoluída, com os conhecimentos ampliados, mas magrinha e molinha, ninguém mais se interessava por mim. Antenada e tinhosa, resolvi partir para a musculação com ênfase especial na região glútea. Passei horas com a cabeça voltada pra bunda, engordei três quilos, e hoje, muitas gotas de suor depois, possuo a melhor região glútea de minha vida!

Sabe o que aconteceu? Os papéis voltaram! É fato, minha gente, nem estou dando conta da demanda. Verdade que interpreto um personagem esplêndido, que foi escrito para uma mulher de sessenta. É que a TV tem fobia de gente com mais de trinta. Gente feminina, bem entendido. Então, como a sinopse pedia, entre outras características, uma mulher bonita, e que bonita implica necessariamente em bunda boa, e que não existe tal coisa aos sessenta, escolheram a mim!

Fui escolhida por minha bela bunda de quarenta. A bagagem de experiências, o talento, a disciplina no ofício, tudo isso é secundário e será devidamente admirado quando, aos sessenta, eu estiver fazendo uma gostosona de 93. Ou, quem sabe, no post-mortem: Atriz de Múltiplas Qualidades Falece aos 115 (com uma bundinha de 87).

Não estou reclamando, sei esperar o momento certo de cada coisa. Além do mais, batalhei muito por meu bumbum e aprecio que lhe atribuam o devido valor. Rita Cadillac, que é uma mulher séria, quer ser enterrada de bunda pra cima, pra que a reconheçam no caixão. É isso aí, Rita, bunda pra cima, bunda pra frente e salve a bunda de toda gente!