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O amor é brega
Revista Época - 2003
 

O amor é lindo. Mas é brega. Se não for brega, é porque é pouco. O que aconteceu com aqueles digníssimos amores do século passado? O vermelho e o negro do Stendhal — aquilo sim era amor chique, estoico. Imenso mas distinto. Agora qualquer coisinha a gente já revela pro mundo e sem pudores vai comparando com o pôr do sol, a pureza da criança, o infinito dilacerante… Se as coisas vão mal e você é pessoa pública, sai correndo em direção a uma capa de revista pra manifestar sua tristeza. Ali é o lugar certo para lágrimas, arrependimentos e aquela troca de insultos de fazer corar uma estátua. Tudo meio baixo, tudo muito brega. Eu mesma, às voltas com certa nostalgia amorosa, andei há tempos escrevendo uns poemas… Um deles resolvi mandar pro Rei, ele mesmo, o Robertão. Achei que o Rei ia entender a dimensão do meu momento e não iria julgar mal aquele derramar de emoções, um tanto eróticas, devo admitir. Como se não bastasse o atrevimento, achava que “meu momento” podia virar música na voz do Rei — o coração balançado me afetava a cabeça e eu não percebia. Não sei se o negócio chegou a ele, só sei que o encontrei depois, casualmente — como sempre, foi muito simpático —, mas quanto a “meu momento”, nada. Fiquei na minha. Resolvi então mandar pro Zezé di Camargo, meu sertanejo predileto junto com Chitão e Xororó. Havia apresentado há tempos um show do Zezé e do Luciano e ficara impressionadíssima com a legião de fêmeas a rasgarem-se em êxtase espírito-sexual diante dos rapazes, que cantavam muito afinados suas romanticíssimas composições. Não sei por que teimava em não ficar, como seria de meu feitio, quieta com minhas mazelas, mas me deu uma vontade assim meio baixa, porém irresistível, de ver meus derramares escancarados numa canção molenga pelo Brasil afora. Deve ser efeito desses tempos meio bregas tal indiscrição erótico-amorosa. Enfim, o negócio é o seguinte… O poema é erótico-brega-amoroso como já avisei. E… bom, aí vai:

O Amor de Cama

Quando você faz amor comigo, meu corpo todo, cada poro, cada
pelo, cada órgão lá de dentro sorve aquilo de tal jeito, que não
sei como é que o peito, o coração ali desfeito, tudo enche estufa
cresce e se esvazia ao mesmo tempo.


Num instante vou morrer
No outro me acho, plena, de você.


E agora que você não está, passo a língua pela boca, passo a
língua pela língua, inspiro o ar da sua garganta pra dentro do
meu pulmão, engordo do ar que não há. Com você entre minhas
pernas, busco resquícios do amor que você me fez. Não acho.


E sinto.
E sinto a falta que você me faz.