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Brasília tem cheiro de folha
02/12/13
 

Enterrei na cabeça um chapéu com a circunferência de um guarda-chuva, saí andando pelas ruas. Por ser domingo em Brasília, o Parque da Cidade estava cheio, e eu escolhia os caminhos de que os outros não gostam, por terem mato, desníveis, grama, e por não serem caminhos de fato. Andava veloz e tranquila sem ser importunada pelos passantes e suas onipresentes máquinas fotográficas - como atormentam os celulares modernos com suas câmeras intrusas, que saudade eu sinto daquele pedido de autógrafo ingênuo, que vinha acompanhado, apenas, de um olhar embevecido, hj ninguém olha, ou melhor, olha, duas, três vezes - nunca ficam satisfeitos no primeiro click! - mas só através do monstrengo. Nas ruas e por toda parte, os brasilienses falam mais baixo que em outros estados. De maneira geral são mais educados. Imaginei, durante esses poucos dias na cidade, que sendo originários de outros cantos, ao chegarem ali numa época pre-globalizada em que as distinções entre regiões eram mais marcantes, as pessoas se acautelavam pra não chamar atenção sobre suas particularidades, e, nessa toada, foram formando uma sociedade mais discreta e respeitosa com a multiplicidade que a compõe. Brasília tem cheiro de folha, quando cai a primeira chuva tudo que parece morto, esverdeia, e exala perfume de flor, folha, grama, mato, tronco. A gente olha em volta e a visão passeia à vontade, e quando cansa, a vista se põe no horizonte que está sempre à mostra embaixo do céu comprido e largo, como o mar, que por ali não há e nem precisa.

Depois da caminhada de umas duas horas, retornei ao Spa do dia anterior pra fazer uma massagem idêntica à do dia anterior. Escolhi tb o mesmo massagista, porque sou fiel, entrego meu corpo a um só homem, e este rapaz era de um talento que tracei planos para contrair núpcias com a criatura: finamente um homem perfeito! Dali estive no Clube de Golfe para almoçar com uma espécie de mãe postiça, herança de minha mãe real, uma figura adorável, inteligente, amorosa, que sempre me faz sentir como se eu tivesse mesmo uma família. Por isso, sempre que visito a cidade fico na casa que ela divide com a companheira de uma vida, desde que ambas se aposentaram e escolheram Brasília como pouso. H. e M. viviam na Holanda, e eu até morei com elas na Haia, quando passei pelo país aos vinte anos junto com R., o namorado, que ainda hj é grande amigo (uma memória puxa a outra, foram tantas as histórias recontadas essas dias...). Depois do almoço segui para a última sessão, em 2013, de minha peça teatral. O público parecia ensaiado, batia palmas em cena aberta, gargalhava, chorava, se envolvia em grande estilo, como se para celebrar conosco o ano de trabalho, e coroar o Asas com os mais portentosos louros. Foi muito bom encerrar temporada na capital do Brasil. Ano que vem tem mais!

Acordei de manhã com H. sentada na beira de minha cama, me passando a mão na testa, eu, sem saber onde estava, já que sonhava detalhadamente com uns tios de Poços de Caldas que eu não via desde meus 10 de idade. No sonho me vieram seus nomes, um tal de Togo, uma Cristina, Marcia, outros, e as férias que passei por lá em família, a praça da cidade, o coreto do centro, minha mãe, meu pai, os primos, toda uma gente que o tempo apagou ou diluiu. Ainda bem que eu tenho uma mãe postiça em Brasília, contadora de histórias, pra onde os causos desaguam e ressuscitam toda a gente, que na verdade só está descansando e esperando pra ser 'contada'.