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Berlinmuniquebrazil
O Globo - 2006
 

A Alemanha é um país feliz. Estive aqui na adolescência e depois, pouco antes da queda do muro. As pessoas eram sisudas, distantes, e envergonhadas de seus pecados. Agora eles sorriem pelas ruas, andam de bicicleta cantando, e dão beijo na boca ao ar livre. E são gentis, muito gentis. Aqui tudo funciona. O povo sabe que vive bem e se orgulha do país que consegui reerguer. No pós-guerra eles facilitaram muito a entrada de imigrantes porque precisavam de mão de obra pra reconstruir o estrago que aqui foi maior do que em qq outro país europeu. Entraram como residentes-convidados, gregos, turcos, italianos, e mais tarde outras nacionalidades. Os estrangeiros deveriam ir embora depois do trabalho feito, mas não foram, pq aqui é bom, e tb pq até hoje ainda há trabalho. Em 2002 a lei do sangue (loi du sang) que considera alemão apenas aquele nascido de pais alemães, sofreu alterações e passaram a considerar tb a lei do solo (loi du sol) como justificativa para se obter cidadania. Então nas ruas o q se vê é um bando de germânicos contentes de todo tipo e cor.

Estava vagando por Berlin pensando na história da cidade e admirando suas belezas reconstruídas, qdo passa um ônibus turístico repleto da nossa gente, encachaçada. E eu penso, brasileiro deveria ser proibido de viajar em grupo, não sabe se comportar. Mas um segundo depois percebo que estou chorando - de emoção! Como pode uma gente que não tem o que comer, só tem música, humor e o futebol, ficar esbanjando euforia na casa dos outros no topo do mundo? É muito orgulho da pátria e digam o q disserem, é bonito pra caramba! Sigo o passeio e como ia almoçar com amigos e que já passava da hora, faço sinal prum táxi. Nisso passa uma bicicleta e alguém grita em português:

- Maitê, vem na minha garupa que eu te levo onde quiser.

Do táxi, que não estava vazio, sai um sujeito:

- Você! Posso tirar uma foto pra registro?

Almoço num italiano, salsicha não dá, sou naturalista. Entro na exposição do Pelé numa estação de metro, indescritível, e lá vem lágrima. Assim segue meu dia alemão, entre brasileirices e sobressaltos emocionais. De noite, acompanhada de dois amigos, um da terra e outro brasileiro, sigo pro Estádio Olímpico de Berlin. Vamos de metro pq de carro, com o congestionamento... mas acontece o impensável e o trem emperra por causa de um congestionamento de pessoas nas entradas e saídas perto de estádio. Ficamos parados por 20 minutos, e num calor diabólico pq aqui eles não acreditam em ar condicionado! O vagão tem dois croatas mudos e 70 brasileiros excitados. O calor, o barulho, os excessos...meu amigo alemão assustadíssimo nunca viu nada parecido, mas está adorando. Tô ali derretendo e dando sopa qdo um rapaz bonito da idade da minha filha se aproxima:

- E eu que cheguei ontem de Porto Alegre, tô voltando amanhã e nem ingresso tenho, vim só com a vontade. Vc não sabe de ninguém que tenha um sobrando?

Ele pedia o impossível. Os ingressos que por ventura ainda existissem estavam sendo vendidos na porta do estádio por E1.500. Então quando eu puxei de dentro de minha bolsa uma entrada, e entreguei na mão do menino, ele olhou pra mim incrédulo e se ajoelhou enquanto beijava muito o papelzinho da sorte.

Quanto a meu ingresso particular, era tão exclusivo, mas tão exclusivo, que o pessoal que dava orientações, não conhecia o local. Depois de três longas voltas em torno da arena, estava quase perdendo o início da partida, qdo fui salva pelo amigo alemão que conseguiu, em alemão, destrinchar o enigma e me deixar à porta do setor hiper-uber-vip. A partida foi o q vimos e viva Kaká. Depois veio o jogo com a Austrália que eu tive o prazer de assistir ao lado da Nanda Torres. Foi a glória! Já o terceiro verei do Brasil. Tenho teatro de noite e convido a todos. Quem conseguir tirar o marido, namorado, ou filho, da frente da tv, leva vantagem - durante a Copa, na minha peça, os rapazes não pagam!