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Assinatura não é tatoo
Revista Época - 2004
 

Você já olhou pra sua assinatura e achou que aquilo não era mais você?

De uns tempos pra cá tenho empacado na hora de firmar meu nome, bate uma rejeição e esqueço como se faz! Aquele gesto mecânico repetido há décadas, por ser mecânico, quando pensado, não sai. Tendo atravessado a crise dos trinta e a virada dos quarenta, agora que tudo acalmou, me vem uma crise ortográfica, francamente… Já me peguei diante de um documento tentando lembrar por onde começo a volta do eme — fundamental, porque, se a primeira letra não sai direito, danou-se o resto. E a primeira letra é a mais significativa, aquela cuja forma representa seu caráter na assinatura. É aquela que o jovem inseguro, em busca de si, um dia ensaiou no rascunho se colocava a perna longa, curta, redonda, se caía pra direita, pra esquerda… Só depois viria o resto, seguindo o estilo imposto pela forma inicial. Meu M, por exemplo, foi copiado de minha mãe, porque achava lindo o rebuscamento da primeira volta com uma perna longuíssima se arredondando no fim. Só que, no caso da Margot, todas as outras letras seguiam deitadas numa harmonia perfeita, que eu, por mais que tentasse, nunca consegui reproduzir. Minha assinatura é esdrúxula e pouco tem a ver comigo. Como também a de minha mãe, que foi criada em colégio de freiras conservadoras. A forma de contornos imaculados possivelmente nada tinha a ver com a adulta que virou, assim como minha tosca imitação pouca correspondência tem com a mulher que sou hoje. A gente cria uma marca lá pelos 14, e vai carregando-a, intacta, pela vida, até morrer. Por quê? Se mudamos de cara, de corpo, de convicções e ideais, se amadurecemos, por que a assinatura tem que se manter infantilizada? Minha filha adolescente está às voltas com o assunto, e não é que o tal M já está lá querendo se infiltrar pela terceira geração. Não é nada não é nada, lá se vão sessenta anos de emes equivocados, com suas minúsculas consequências a reboque. Tentei alertá-la para o perigo, mas ela já foi seduzida pela beleza da forma, e só conseguirá se desfazer das consequências quando tamanho de perna não tiver mais qualquer relevância. Décadas se passarão.

Há algum tempo combati minha resistência ortográfica e dei uma chave de braço no impasse. Não é coisa simples, e o fiz com parcimônia, mas ao menos consegui criar uma assinatura exclusiva para autógrafos. Possuo agora a assinatura de sempre para documentos, e outra, mais nova e simples, para a pessoa pública. Sabe lá o que é escrever M-a-i-t-ê P-r-o-e-n-ç-a cem vezes de pé? Não é mole, como não deve ser bom escrever qualquer nome comprido em pilha de cheques, ou, pra citar um notável, rabiscar Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque na tela, com tinta e pincel. Incompatibilizado com sua grife, faça como nosso Di, e simplifique. Você que um dia caprichou nas voltas do seu nome-e-sobrenome e agora é um sujeito prático, jogue três letrinhas no papel, sintetize-se, e sinta-se representado! Você que virou um mulherão e não se reconhece naquela forma do primário, vista-se de atitude e troque o look. É indolor. Assinatura não é tatuagem, basta passar a borracha e se reinventar. Não deixa cicatrizes. E pode ser libertador!