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A faxina que salva
Revista Daslu
 

Estive gravando Gabriela em São Lourenço, Minas, por conta de uma estação de trem antiga. O maquinista da Maria Fumaça era um rapazinho de 23 anos que sabia tudo da engenhoca. Fiquei impressionada quando parou aquela máquina bruta na marca exata estipulada pelo diretor, uma, duas, três vezes. Não era sorte, era perícia. Conversando com o gajo, soube que lidava com aquilo desde os nove anos e que não só conduzia a locomotiva como sabia montar e desmontá-la inteira. Era ele que orientava na reconstituição das peças e cuidava da fabricação de novas partes quando não havia substitutas no mercado. Foi um menino que gostava de brincar de trenzinho, transformou seu hobby em talento, e criou pra si uma profissão única, útil, bonita. Voltei para o Rio cheia de pensamentos, histórias de infância. Tivesse eu seguido a lógica do menino de SL, teria me tornado pedreira. Passei meus primeiros anos brincando de mocinho e bandido nas construções que pipocavam em um bairro de Campinas, que, na época, crescia junto com a industrialização do país. Com sorte, especulava, teria evoluído para mestre de obras, e poderia hoje ser proprietária de uma construtora. Houvesse o destino me levado assim, teria evitado os aborrecimentos e gastos abusivos com os trabalhos recentes em meu apartamento, para qual contratei uma das três mais renomadas empresas de construção do Rio de Janeiro. Ora veja, a reforma - q seguiu a planta inicial com mínimas alterações - demorou três vezes o tempo previsto e custou o dobro do prometido. Quando por fim a tormenta acabou, com apartamento entregue e tudo pago, levei uma inesperada banana da construtora O. Por mais que solicite auxílio para encrencas diversas, O. não se responsabiliza pela pia da cozinha q vai cedendo, nem pela instalação elétrica que faz queimar as lâmpadas de dois em dois dias, nem pelo box de minha filha que vaza água a cada banho, ou pelo sistema acústico que permite compartilhar do programa de tv do vizinho e me obriga a dividir com ele momentos de embaraçosa intimidade. Juro que paguei uma fortuna para evitar tais constrangimentos. Vencida, após incontáveis tentativas, vejo-me impelida a lidar pessoalmente com cada prestador de serviço contratado por O. Escolhemos, por exemplo, um piso de pedra clara para forrar a sala e cozinha, uma beleza de revestimento que seria perfeito se não sujasse de um pretume funesto no vai e vem da rotina diária. Semana passada orcei a limpeza de uma área de três metros quadrados - a mais crítica – e recebi, da firma responsável, uma proposta de seiscentos reais para a execução do serviço. Imaginei que fosse um equívoco já que se tratava de um quadrado diminuto a ser limpo por uma enceradeira profissional e sabão (levaria ouro na fórmula?). Na minha ingenuidade havia até imaginado, que esta manutenção imediata, poderia fazer parte da garantia do material que vinha sendo pisado havia apenas 3 meses. Mas não. Assim, requisitei novo orçamento, e, para minha surpresa, o mesmíssimo pedaço de chão, agora ficaria em R$1400! Pra encurtar a história que se seguiu – insana - com a empresa R. (já que a construtora O., intermediária, lavara suas ardilosas mãos), relato aqui apenas a conclusão do imbróglio: capitulei! Decidi eu mesma faxinar o piso (posto q minha arrumadeira, uma moça recém contratada depois q a funcionária de anos faleceu, considerou a limpeza impraticável: “isso não sai”, disse taxativa). Munida de um balde, escova, panos de chão e o velho sabão de côco, me pus de quatro e esfreguei com fé. Primeiro um braço, depois o outro, em seguida com os dois em largos movimentos abdominais invertidos. Limpava e recomeçava; suando, descobria no correr da escova contorções de grande eficácia aeróbica. Pelas tantas senti necessidade de indumentária mais apropriada - ia me adaptando à função – e amarrei à testa um lenço em forma de bandana e nos joelhos duas meias grossas que encontrei entre os pertences de minha filha, dos tempos que frequentava o Maracanã com os irmãos, ahhh, eram tão pequeninos, que fofitchos... Dispersava, vagava por pensamentos diversos e voltava a me concentrar, a faxina exigia foco. Esfregava e descobria um prazer naquilo, certa euforia me brotava. Seria a adrenalina dos desportistas, ou quem sabe algo mais corriqueiro como a simples visão do piso límpido? Era isso! Eureca, havia encontrado uma fórmula infalível que consistia no uso do braço, água e sabão. Estava quebrada com dores pelos membros e costas, mas aquilo era nada diante de meu feito inovador!

Há três finais de semana venho faxinado alegremente. Não discuto, faço. Tenho os joelhos em pandarecos, mas e daí? Encontrei a paz na atividade asséptica que agora substitui a esteira da academia em grande estilo: coloco um Mahler no cd e mando ver. Para chegar à perfeição penso adquirir grossas joelheiras. Coloridas pra dar um plus. A limpeza de ambientes talvez não seja meu destino natural ou o desdobramento de um talento adormecido, e certamente não carrega o charme (e utilidade pública) das manobras do maquinista da Maria Fumaça. Mas a faxina tem seu valor: traz sossego, resolve o problema, e evita discussões indigestas com gente mal intencionada. Além do mais, quem disse que não é coisa criativa? Passe aqui em casa num sábado de manhã e veja. Verifique com seus próprios...