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Adoro gay
Revista Época - 2004
 

— Eu adoro gay!

— Como assim, minha filha, quem você conhece que seja gay?

— Todos os seus amigos, e os meus que ainda não têm idade, mas que serão.

— Como todos os meus amigos?

— Mamãe, acorda, você está lentinha, um gay já teria entendido. Tô falando dos seus amigos que são gays, e dos meus, que serão porque tá na cara. Eles gostam de conversar com as meninas, são engraçados, rápidos, vão às compras com a gente, dão palpite na roupa, reparam em detalhes fundamentais, e só recomendam filmes que prestam. Os outros meninos gostam de futebol.

Essa é a opinião de minha filha de treze anos. E juro que não é influência minha, apesar de concordar com quase tudo. Aliás, parece que o mundo concorda. Nunca se viu tanto gay assumido e com fé, e nunca se viu tanta tolerância com isso. Estive em Buenos Aires recentemente e fiquei choquito com a quantidade de bicha chique circulando por las calles. Existe um turismo gay correndo em paralelo, cheio de redutos gay-friendly (o termo não é meu e é sinal dos tempos) para apoiá-lo. São bares, restaurantes, lojas, boates, até casa de tango, aquela dança maravilhosamente chauvinista em que o homem subjuga a mulher, aquela coisa de macho, sabe? Pois é, agora existe, só pra rapazes. O mercado descobriu os gays! E os gays, encantados, responderam com um furor consumista muito acima do esperado. Eles têm dinheiro pra gastar — não têm filhos, e, em geral, num casal ambos trabalham. Gostam da rua, da balada e têm tempo e espírito pra isso. Gay não é quietinho, difícil encontrar um, parece que, uma vez saídos do armário, querem se exibir pro mundo com orgulho e alegria. Com o senso estético apurado, o apreço por boas roupas, o amor aos acessórios, a cremes, perfumes, loções, vinhos de qualidade, ambientes bem decorados e cidades sofisticadas, esses meninos, agora mais soltos, fazem a festa por onde passam.

Mulher gay já é outra conversa. São corporativistas, vivem em guetos e gostam de outras gays. Não gostam de homens e gostam de mulheres, mas com restrições — se forem peruas, por exemplo, já não gostam. Bebem muito, têm seus bares, suas músicas (Bethânia, Cássia, Ana, Simone, Zélia…), vestem-se com o que lhes esconda as formas, e andam de perna aberta. Até de bicicleta, repare só, mulher hétero pedala de perna junta, enquanto elas vão felizes de coxão em V pelas ciclovias. Briguem comigo não, amigas, vocês sabem que, quando a coisa aperta no amor pelos moços, só vocês me entendem, e um dia, quem sabe, ainda mudo de lado. E pra levantar, não há como negar-lhes o talento administrativo. Coloque-as num cargo de chefia e observe. Incansáveis, concentradas, são organizadas, responsáveis, detalhistas, perfeccionistas e têm espírito de liderança. Estão cada vez mais na cabeça de grandes empresas e mandam como ninguém. Dizem os astrólogos, arrastando a sardinha, que essas características de ambos os lados se devem a desígnios dos céus. Mulher gay geralmente tem Marte forte com Vênus fraca, e homem gay, o contrário; Marte representando comando e objetividade, e Vênus a estética e a curiosidade por outras culturas. Aquela bichinha comissária presente em todos os voos está, portanto, explicada, o maquiador, o cabeleireiro, os decoradores, designers, figurinistas, camareiros, atores também. É gay pra todo lado, e já virou até refrão: tá faltando homem! A debandada é voraz, e, na ala de cá, os machos que restam estão cada dia mais acuados, sem graça, e com o entusiasmo na sola do pé. Sinto dizer, meninas, mas boa parte se deve a nós mesmas — estamos masculinizadas! Pois se andam abolindo até a menstruação… Coloca-se uma plaquinha aderente no corpo e a moça para de sangrar. Não tem mais TPM, cólica, inchaço, e até a celulite diminui. É perfeito, mas o romantismo, a possibilidade de procriar, o instinto maternal, as oscilações de humor, ou seja, tudo o que a faz mulher, ela também não tem. Então sai por aí no troca-troca desvairado, caçando homem feito homem, em nome de uma liberdade que não satisfaz. Ora, meninas, nós ganhamos tanto espaço, será que não é hora de aprender a lidar com a coisa? Esse faço, quero, aconteço e não dependo de ninguém tá chato. Sei não, mas sinto que um pouco de elegância e doçura — uma volta a essas delicadezas que sempre foram a nossa natureza — cairia feito uma bênção nesse momento de aperto.