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Revista Época - 2004
 

Algumas atividades parecem que nasceram umas pras outras. Tomar banho e cantar dá uma alegria enorme, comer pizza e falar da vida alheia é quase um ato contínuo, beber cerveja e fumar combinam que só, assim como jogar futebol e xingar a mãe, sentar no trono e ler, dirigir e ouvir música — todas delícias de uma vida boa!

Por outro lado, há coisas que simplesmente não ornam. A palavra ornar por si já não orna com nada. Chupar cana e assoviar todo mundo sabe que é desaconselhável, dirigir e falar ao celular a lei não permite, conversar e pular corda é complicado, e assim a coisa vai numa longa lista de práticas incompatíveis. Pois eu queria manifestar meu desapreço por uma posição de funções adversas que, no entanto, é bastante apreciada na atividade sexual — o 69. Você há de concordar: a postura é ingrata, a vista não é das melhores, e sem a devida cautela pode-se sair com um pinçamento na cervical. Além do mais, por que a pressa, por que tudo ao mesmo tempo? Parece coisa de culpa católica — é dando que se recebe, dê ao próximo o que deseja para si. Pessoalmente, considero aquela atividade frenética em ambas as pontas totalmente desnecessária e, por que não dizer, ineficiente. Não é possível a criatura executar com primor uma função que requer coordenação, dedicação e técnica, enquanto tenta relaxar para usufruir o que lhe acomete na outra extremidade. Sim, porque uma coisa é uma coisa e a outra coisa é outra coisa! E não venha me dizer que tudo corre naturalmente e que é só meter a cara (falo no sentido figurado, claro) que sai direito. Não sai! O negócio exige um estudo rigoroso da anatomia do outro. É imperativo que se saiba o que está onde para entender o que fazer por ali, e vale para parceiros de todos os sexos, independente da ponta (mesmo que convexa) em que se esteja. Também não se pode deduzir que a prática da coisa por si já ensine. Há quem pratique a vida inteira e, não tendo se dado ao trabalho de observar os detalhes da questão, passa a vida fazendo serviço malfeito. Outro fator que não ajuda é proximidade com o assunto, que, num excesso de entusiasmo, pode causar a asfixia fatal do parceiro. Menos grave, mas não menos constrangedor, é o caso do sujeito com a vista cansada, que, nessa situação, tem que contar exclusivamente com a sensibilidade linguolabial — não quero discriminar ninguém, mas todos sabemos como há no mundo, inclusive sem problemas de vista, criaturas desprovidas desse requisito. E há ainda o caso dos obesos, que, por excesso de volume, simplesmente não conseguem atingir as marcas. Por último, quero lembrar que a reciprocidade, grande objetivo da postura, é raramente atingida, posto que tem sempre um sujeito ali largadão, enquanto a outra está dando tudo de si. E vice-versa, e versa-versa. E vice-vice também, eu suponho.

O Kama Sutra propõe nada menos que 529 posições pra se experimentar na hora do amor e eu não estou aqui pra desestimular a criatividade de ninguém. Mas, não sei se por preguiça ou por ter amado homens de muita aptidão, ainda considero o trivial bem-feitinho algo de insuperável.