Prefácio - Carlos Heitor Cony

 

Pergunta comum feita a escritores:
- Por que você escreve?

Deve-se responder com outras perguntas:
- Escrever o quê?
- Escrever para quê?

Ou com a resposta definitiva:
- Por que não escrever?

Se a pergunta é banal para qualquer um que se aventura no alucinado universo do texto, para Maitê Proença é específica. Por que uma atriz de sucesso, de larga exposição no universo audiovisual, sempre interpretando (ou interpenetrando) textos alheios, decide encarar o próprio texto?
Este livro responde a esta e a muitas perguntas. Tendo uma coluna na revista Época, e sendo, como é, uma figura de larga exposição na mídia e na vida pública, em suas crônicas não há referência nem marketing de sua atividade artística. Não seria nada extravagante se aproveitasse o novo espaço, que agora conquistou, para explicações, desabafos e confissões, na interminável viagem em torno ou dentro de seu cenário habitual. Outros o fizeram e fazem.
Eventualmente, ponteando seu dia ou seus compromissos, ela faz breve marcação: "depois de gravar". Como se dissesse: depois do almoço, ou antes de dormir. E todos conhecemos a sua atividade profissional, sendo uma das atrizes mais constantes do cinema, teatro e TV, vestida como a amante de um imperador, ou nua em cima do cavalo, como Lady Godiva e D. Beija.
Lembro que propositadamente os papéis que ela viveu em dois dos três projetos que fiz para TV, num estágio circunstancial e distanciado de minha atividade principal. Ao entrar naquele serpentário, que é o mundo do espetáculo, receava ter problemas com artistas e técnicos cuja auto-estima frequentemente exige prioridades e tratamento diferenciado dos demais operários do mesmo empreendimento. Maitê foi para mim uma pessoa surpresa, sendo como é uma profissional competente e responsável.
Como protagonista de duas histórias de época, nela admirei a mesma consciência e acabamento que encontro em suas crônicas. Nesta Primeira coletânea, ela própria se pergunta por que resolveu escrever, supondo que se trata de uma carência pessoal - quando na realidade, é o exercício de uma visão do mundo, uma reflexão diante de si mesma.
Escrever é verbo transitivo, pede complemento direto, que em latim exige o acusativo. E Maitê acusa, acusa no sentido de estar presente, e não em termos de libelo, denuncia ou queixa, mas de expressão de seu mar interior.

Tem um buraco que fica entre os dois peitos, parece uma moleira, mas chamam de plexo solar. Por ali me entra cada coisa... Outro dia entrou o mar inteiro, subiu até a garganta, apertou tudo e está lá, não quer sair. Vou te mandar um pouco.

Nada Pretende ensinar ou revelar, apenas constatar:

Não basta que haja amor para viver um amor. Quando um se sente em paz, o outro quer a guerra. É preciso me traduzir a cada centímetro do caminho enquanto ele explica que eu também não entendi nada. Discordamos sobre o tempo, o tamanho das ondas, a cor da cadeira. O desacerto é de lascar e não há cama que resista a tantas reconciliações - um dia a cama cai.

Temos, enfim, a Maitê que deixa de ser o peixinho dourado e azul do aquário iluminado, no qual estamos a vê-la e admirá-la. Ela se oferece, agora, na densidade das águas submersas, onde nem sempre chega a luz do sol, mas tem o mar inteiro para se exprimir. Penetra com lucidez no sombrio átrio onde se realiza o solitário rito que fica, eleva e consola.

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