Augusto Nunes
Augusto Nunes (revista Veja)
 

Todo vícios reafirma enfaticamente que, como as demais entidades que coexistem na múltipla Maitê Proença, também a romancista nasceu pronta – pronta, mas não acabada, porque gente nascida e criada para inventar nunca sossega. Este livro atesta que sobram à autora talento e criatividade. Só uma ficcionista em sua maturidade conseguiria utilizar com tamanha destreza técnicas literárias refinadas e atrevidas para conduzir o leitor por uma trama estranhamente sedutora e atualíssima: o relacionamento afetivo (“um desencontro amoroso”, prefere Maitê) entre Stella, artista plástica bonita e bem sucedida, e João, pouco atraente por fora e muito complicado por dentro.

A narradora é Stella, que troca a predominante terceira pessoa pela primeira quando se anima a entreabrir a alma, e de tempos em tempos cede a voz a João, para que saiba o que pensa o avesso da protagonista. A tessitura é feita sobretudo de silêncios e diálogos mudos, o que torna a história ainda mais perturbadora. Os dois personagens pouco se encontram fisicamente. Vivem quase todo o tempo num universo virtual, unidos (ou separados) por mensagens eletrônicas, com os dedos a poucos centímetros do providencial “delete”. Num mundo sem olhares, por que não apagar situações aflitivas? A pergunta, como tantas outras, impedirá que se apague da memória dos leitores este belo romance de Maitê Proença.

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