Maitê Proença lança romance com crônica sobre o desencontro
Jornal O Globo por Nani Rubin 18/11/2014
 

No livro ‘Todo vícios’, atriz e escritora fala de um amor pontuado por neuroses na era das mensagens por celular

RIO — Stella é uma atriz bela e bem-sucedida, escultora recente, vivendo uma “aridez sentimental libertadora” quando João cruza “o seu desestímulo”. Ele é feio mas brilhante, vive à base de remédios tarja preta, um narcisista que pratica a sedução e se afasta quando a intimidade parece não ter retorno. Muitos podem já ter “lido” esse livro. Maitê Proença, atriz bela e bem-sucedida, escritora recente, se não viveu um desencontro amoroso exatamente como este, também conhece a trama. E a escreveu, fazendo dela o fio condutor de “Todo vícios” (editora Record), romance que lança nesta quarta-feira, às 19h, na Travessa do Leblon.

— É a história de um desencontro amoroso — diz Maitê. — Já encontrei joões por aí, criei uma pessoa que conheço. Esse tipo de criatura, com esses ingredientes, está em vários homens com os quais me relacionei. Gosto disso, ir para a vida, misturá-la com literatura.

Maitê Proença criou uma ficção dos tempos modernos, em que um casal, Stella e João, se relaciona principalmente através de mensagens no celular.
Guito Moreto / Agência O Globo
O desencontro de que fala a autora é oferecido ao leitor sob vários pontos de vista, e Maitê se diz feliz por ter conseguido, como observa, imprimir linguagens distintas a cada um. A relação do casal se desenrola, para o leitor, em troca de mensagens por celular, diretas, argutas, em que os dois exibem raciocínio rápido — Stella ainda se vale da facilidade imagética dos emoticons, mas estes, como diz a personagem, não dão conta de transmitir seu estado de espírito (“É possível que meu momento seja mais complexo do que a oferta de figuras”), numa crítica de Maitê às relações mais tecladas do que vividas.

— Antigamente, para desfazer um relacionamento, você tinha que sentar na frente do outro, tinha que olhar, dizer os porquês, às vezes tinha que mentir. Tudo muito difícil, mas era vivido a dois. Agora não. Você pega e deleta. A pessoa que se arrebente lá sozinha.

Além da troca de mensagens, há a narrativa predominante de Stella, em terceira pessoa (daí o nome do livro, “Todo vícios”, citado numa fala dela, referindo-se a João). O ponto de vista de João também aparece, o que faz com que certas cenas, como a da primeira transa do casal, ganhem duas perspectivas. A autora ainda muda a narrativa para a primeira pessoa, como no trecho a seguir:

“Por conta da atriz das revistas e do assunto batido deste romance, uma estúpida história de amor, é inevitável que se perguntem se há relatos pessoais, se revelo intimidades secretas e vergonhas de corar, se faço confissões tumulares. Direi aos jornais que é tudo inventado e que mais relevantes são as subjetividades, as considerações, as entrelinhas.”

Tudo inventado? Pista falsa. Como a própria Maitê diz parágrafos acima, ela gosta de misturar vida com literatura — e isso transparece ao longo do romance. Seja num texto que o crítico de arte Fernando Cocchiarale escreve para uma exposição da personagem, seja nas referências a livros que a própria autora leu, num SMS de João dizendo não gostar “de mulheres saia justa” ou ainda a fatos que remetem à biografia da autora — o pai de Stella, é contado a certa altura, matou a mulher a tiros e se suicidou; o pai de Maitê, ela já o revelou publicamente, matou a mãe da atriz a facadas, e se suicidou, anos depois. No livro, João fica fascinado pela figura do pai, “aquele homem que amava a mulher, que amava demais”, numa patologia que aumenta à medida que a narrativa avança.

— Ele vai ficando mais neurótico lá pelo fim do livro — diz Maitê — até se sentir pronto para procurá-la novamente.

Nesse ponto, Maitê, amante da precisão das palavras, põe na boca de seu protagonista masculino uma frase — “havia um destino possível para nossa história e eu estava preparada para sua execução” — que torna o final, já aberto, uma incógnita para o leitor.

— A gente tem que escrever o que precisa escrever. Não vou escrever porque quero que as pessoas me admirem. Aos 56 anos, você não faz as concessões que fazia, sei lá, aos 30. Que sejam menos os que estão à minha volta, mas que sejam bons. Não preciso da galera toda — diz ela, que vive um bom momento na TV com o programa “Extra Ordinários”, no SporTV, apesar (e talvez por isso) entender pouco de futebol.

O lançamento de “Todo vícios” marca a ida da autora para a editora Record, depois de publicar três livros por selos da Nova Fronteira. A Record promete relançar em 2015 a coletânea de crônicas “Entre ossos e a escrita” — “uma tonelada de adjetivos vai cair”, antecipa Maitê — e o romance “Uma vida inventada”. Também vai reunir numa edição única, com fotos, as três peças que escreveu — “Achadas e perdidas”, “As meninas” (ambas com Luis Carlos Góes) e “À beira do abismo me cresceram asas”, atualmente em cartaz no Teatro Net Rio.

Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/livros/maite-proenca-lanca-romance-com-cronica-sobre-desencontro-14594545

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