Um último Tango em Paris do whatsApp
Artigo de Fabrício Carpinejar
 

Todo vícios, romance de Maitê Proença, é um Último Tango em Paris do whatsApp.
Um casal que escreve sem parar no celular transformando todas as noites em um único e interminável duelo de palavras.
Aquele enfrentamento hostil entre duas personalidades, Stella e João, até o apagamento das diferenças.
A sedução não é formada de elogios, juras e declarações apaixonadas, como estamos acostumados, a sedução é outra: mais densa, mais espessa, mais patológica. Desagradar para mandar embora. Ofender para espantar. Agredir para não se incomodar com intimidade. E assim os dois ficam. E assim os dois entram numa neurose infinita, de quem é capaz de ser mais generoso, de quem é capaz de ser mais sádico, alternando a gangorra para não terminar a brincadeira.
São mensagens trocadas desde o primeiro encontro. Uma rede improvável de mentes desafinadas e insistência louca para uma relação que tem tudo para não dar certo.
O natural não acontece, o acaso não ajuda, é uma história permeada de atração a partir da mais funda repulsa.
Por que Stella, atriz e artista plástica consagrada, bonita, bem humorada, inteligente, sagaz, resolvida sexualmente, acabaria por se interessar por alguém desprovido de brilho e carisma, feio, depressivo, abandonado pela última mulher, pai culpado, viciado em remédios tarja preta, inoportuno, que fica falando de ovas de atum bem no momento da cantada? Por que Stella manteria o romance se absolutamente não há nada para se prender: a transa não foi boa, ele espaça a comunicação e o encontro por semanas, some sem explicação, não aparece em encontros e jantares programados?
Não entendemos a escolha de Stella, o que ela pretende com este relacionamento talhado para o aborto, o motivo de não abandonar de vez um tipo triste, desagradável e pernóstico. E não compreender é se enredar ainda mais na trama.
Talvez seja messianismo amoroso de Stella. Talvez seja uma demonstração de que o encontro no amor é feito de muitos abandonos. Talvez a renúncia crie a verdadeira liberdade.
A escritora enfrenta a arte delicada de alternar as perspectivas de Stella e João, sempre com a intromissão da narradora machadiana, já pronta para desmascarar Stella e dizer que a protagonista é a própria Maitê. Não é uma narrativa opaca, de pacto mágico e cego, mas construída para o exercício vivo e permanente da curiosidade. Duvide de tudo, menos do talento da escritora para manter a tensão.

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