À Beira do Abismo me Cresceram Asas
Jornal O Globo, março/2013
 

Retrato encantador de duas mulheres

Com dados colhidos por Fernando Duarte em entrevistas com um grupo de idosos, Maitê Proença armou um tocante diálogo entre duas mulheres que ficam amigas na instituição onde moram e um suposto jovem que as entrevista. Juntas, mesmo que perfeitamente individualizadas, as duas compõem, com suas lembranças de acontecimentos e emoções, um painel da vida de todas as mulheres em sua experiência humana. Uma mais reflexiva, a outra mais extrovertida, tanto uma quanto outra podem dizer, com verdade, que “À beira do abismo me cresceram asas” — e, por isso, conseguem manter vivas a riqueza interior, as emoções e a imaginação que os outros supõem que a idade lhes tenham matado. O texto, com isso, resulta fluido, ora alegre, ora emotivo, enriquecido pela diversidade das experiências vivida por cada uma das duas amigas, e gostosamente teatral.

Sem imitação da velhice

A montagem em cartaz no Teatro do Leblon é simples e harmoniosa, com um cenário que, mesmo nos lembrando que estamos no teatro, cria o ambiente impessoal mas amistoso, onde duas cadeiras, diante de paredes brancas mas translúcidas, estabelecem o universo em que as duas moram. Os lindos figurinos de Beth Filipecki por certo as ajudam a alçar voo. A luz de Jorginho de Carvalho e a trilha de Alessandro Perssan completam com precisão e delicadeza o ambiente.

A direção de Clarice Niskier e Maitê Proença, com supervisão de Amir Haddad, é delicadamente simples, guiada pelo amor ao mundo que devia ser criado, profundamente carinhosa, mas sem cair um momento na pieguice, confiante na capacidade das duas intérpretes. Maitê Proença e Clarisse Derzié Luz atuam com a harmonia de uma peça de piano a quatro mãos; cada uma tem seus momentos de solo, contraponto uns dos outros, e nos duetos formam um desenho único, harmônico, nos quais as ocasionais e pequenas discórdias só servem para ampliar a amizade. Evitando qualquer imitação de velhice, mas buscando o peso da experiência, Maitê e Clarisse têm, ambas, atuações de grande encanto, trabalhando com uma cumplicidade que traduz bem o conforto que as duas encontraram nessa reunião de duas experiências de vida diversas, mas de duas mulheres que tiveram, e ainda têm, muito para dar ao mundo em que vivem, mesmo quando esse é necessariamente limitado.

“À beira do abismo me cresceram asas” é um espetáculo de imenso encanto, que fala sobre todos nós com sabedoria e humor.

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